Desde dezembro de 2013, têm se espalhado pela Grande São Paulo encontros em shoppings de jovens da periferia marcados pelas redes sociais, que ficaram conhecidos como “rolezinhos”. De maneira injustificada e desproporcional, os eventos passaram a ser violentamente reprimidos e proibidos pela Justiça por meio de liminares, com jovens ameaçados, barrados na entrada de alguns estabelecimentos, temporariamente detidos e alvos de inquéritos policiais.
Embora não sejam manifestações explícitas de cunho político, os rolezinhos expressam questões sociais profundas, envidenciadas sobretudo após a forte reação contrária que sofreram. Não estão isentos de contradições internas, pois são ao mesmo tempo um grito contra a exclusão e em certa medida resultado do fascínio pela ostentação e pelo consumismo que estão na base de um sistema gerador de desigualdades. Trazem demandas por uma cidadania pautada no consumo, mas são também um processo coletivo de resistência.
Essa ambiguidade dos rolezinhos revela contradições maiores de toda a sociedade. A primeira delas e talvez mais evidente é a ausência de equipamentos públicos de socialização, sobretudo nas periferias das grandes metrópoles brasileiras, onde são raras as praças, as quadras esportivas, os centros culturais e os parques públicos. Denotam também a insuficiência de políticas públicas para a juventude, situação agravada no caso da população mais pobre e marginalizada. E aí denunciam um outro problema grave, a discriminação por classe e cor que sofrem, também nesses encontros marcados pela internet, os brasileiros negros e moradores das periferias.
A Associação Paulista de Defensores Públicos (Apadep), assim, se manifesta publicamente contra a criminalização desses eventos, e no contexto ainda mais abrangente, contra a criminalização da própria pobreza. Não obstante consistam em propriedades privadas, os shoppings e centros comerciais são espaços de uso público. E a Constituição garante a fruição em espaços dessa natureza, não tendo respaldo legal a proibição de entrada de quem quer que seja com base em critérios subjetivos. Ademais, lembramos que a lei federal nº 7.716, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, estabelece como crime em seu artigo 5º “recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial”, com previsão de reclusão de um a três anos.
Não será por meio de repressão que os rolezinhos vão parar. Já se espalharam por cidades de todo o Brasil e a confrontação só amplificará a repercussão do movimento com os conhecidos efeitos colaterais das ações de segurança desordenadas. Devem ser entendidos como momentos de lazer e confraternização de adolescentes e, por isso, não podem receber do Estado uma intervenção desproporcional e repressora. Em vez disso, deveríamos entender o que tais eventos têm a nos dizer. Ainda que inconsciente, os rolezinhos são uma reivindicação de uma população que tem seus direitos básicos diuturnamente negados. A resposta deve ser mais inclusão, mais espaços de cidadania, mais cidade e acesso efetivo aos direitos fundamentais.