Em oficina realizada nesta quarta-feira (28/01), no Fórum Social Mundial, o professor da Universidade de Coimbra, Boaventura de Sousa Santos, citou a Defensoria Pública como excelente alternativa para a democratização da Justiça no Brasil e fez duras críticas a atuação da OAB, principalmente no Estado de São Paulo.
Formado em Sociologia do Direito, autor de publicações como ‘Para uma revolução democrática da Justiça” (Ed. Cortez. 2007), a presença do autor no debate ‘Justiciabilidade dos Direitos Humanos e Democratização da Justiça’ fez lotar um dos auditórios da Universidade Federal do Pará, em Belém. Participaram também da oficina Sérgio Leitão, diretor de Políticas Públicas do Greenpeace Brasil e Flávia Carlet, da Rede Nacional de Advogados Populares (Renap). A Associação de Defensores Públicos do Estado do Rio de Janeiro (ADPERJ), o Defensor Público-Geral do Pará e profissionais da Defensoria Pública do Estado estiveram presentes ao encontro, organizado pela Terra de Direitos – Organizacao Civil pelos Direitos Humanos, Ação Educativa, CPT e MST.
Em um ambiente dominado pela pautas de movimentos sociais organizados, Boaventura ressaltou que a sociedade civil não organizada constitui uma das problemáticas mais tratadas atualmente pela Teoria Crítica do Direito. O professor português lembrou os presentes que a grande maioria das pessoas não está em nenhum movimento ou organização, seja por desconhecimento ou por falta de tempo devido ao trabalho. ‘Em um dos meus estudos, eu digo que estas pessoas não vivem em uma democracia, mas sim em um fascismo social, ou seja, vivem uma relação tão desigual com o poder que elas não tem as mínimas condições para exercerem seus direitos. É por isso que é fundamental haver um instrumento público para garantir o acesso. A Defensoria, que foi recentemente criada na maioria dos Estados, tem um potencial enorme, mas está tendo de lutar por ele’.
O professor, logo após pontuar que a Defensoria deve servir como um dos principais eixos de atuação dos governos e da sociedade para a garantia do acesso à Justiça, alertou os operadores do Direito presentes para que coloquem em suas causas a atuação da Ordem dos Advogados do Brasil. ‘Neste momento, a OAB está construindo uma luta contra a Defensoria Pública em São Paulo. Por quê? Ora, porque a Defensoria Pública vai retirar o seu negócio. A Defensoria não tem condições de ter uma alternativa a esse modelo hoje pois não está sequer financiada. A OAB está internamente contraditória, pois há muitos advogados neutros acerca dessa questão. Os custos com a Ordem são superiores para a sociedade do que os custos com os defensores. Ora, pois vamos analisar. Quanto é que custa ao Estado, quem cuida dos casos e quem fica mais bem servido’. Especialista em sociologia jurídica, Boaventura disse que auxiliou a luta pela criação da Defensoria em Portugal, mas os resultados não foram os esperados. ‘Fomos derrotados. Por quem? Pela Ordem dos Advogados. A Ordem fez tal lobby, com tanta publicidade nos jornais, que o parlamento vetou a hipótese de termos defensores públicos’.
OAB-SP, um caso à parte
A fala do professor Boaventura no Fórum Social Mundial não poderia ser mais providencial. A OAB-SP acaba de definir uma nova frente de atuação no Estado: diminuir o número de pessoas carentes assistidas pela Defensoria Pública. A proposta da Ordem – feita informalmente, por enquanto – é de que se diminua o valor de 3 para 2 salários mínimos de renda familiar como parâmetro de atuação da Defensoria.
“Impressiona essa iniciativa da OAB-SP. 3 salários mínimos é um valor mais do que justo num país com um dos piores níveis de desigualdade social no mundo. Em São Paulo, a triagem da Defensoria ainda analisa se há alguém na família com necessidades especiais ou com doença grave que impliquem em gastos elevados com tratamento médico, bem como o número de integrantes da família. Nós devemos pensar no que é necessário e melhor para a população pobre, e não enxergar a questão sob um ponto de vista corporativo”, questiona Juliana Belloque, presidente da APADEP – Associação Paulista de Defensores Públicos.
Cálculos da Defensoria Pública de São Paulo apontam que se o investimento feito para a celebração do convênio com a OAB fosse aplicado na Defensoria, daria para quadruplicar a infra-estrutura da instituição e atender satisfatoriamente todas as cidades do Estado. Os gastos com o convênio chegaram em 2007 a 272 milhões de reais, sendo que o valor investido na Defensoria no mesmo ano foi de apenas 75 milhões de reais.