Por 9 votos a 2 no Recurso Extraordinário 1.240.999, e por 10 votos a 1 na ADI 4.636, o Supremo Tribunal Federal decidiu que é inconstitucional a exigência de inscrição nos quadros da OAB às defensoras e defensores públicos
A decisão do STF encerra uma luta de muitos anos pela consolidação da autonomia da Defensoria Pública, na qual a Apadep sempre esteve à frente pela desvinculação das defensoras e defensores públicos.
Essa vitória é fruto da atuação de todas e todos. Desde as/os mais de 70 defensoras e defensores públicas paulistas que se desvincularam da Ordem entre 2009 e 2011 até as audiências da Apadep com Ministros do Supremo e articulações com a ANADEP, a Instituição se firmou a partir da qualidade, seriedade e dedicação de todas/os as/os colegas que diariamente prestam serviços às pessoas e grupos sociais vulnerabilizados em São Paulo e no Brasil.
Conheça essa história!
A ÚLTIMA FRONTEIRA DA AUTONOMIA
Entre os anos de 2009 e 2011, mais de setenta defensoras e defensores públicos de São Paulo desvincularam-se da Ordem dos Advogados do Brasil. A presidência da seção paulista da OAB promoveu a reinserção de todas e todos e pediu a exoneração das/os colegas à Defensoria Pública-Geral.
O Conselho Federal da Ordem dos Advogados, em paralelo, ajuizou a Ação DIreta de Inconstitucionalidade n° 4.636 perante o Supremo Tribunal Federal com o escopo de limitar a atuação da Defensoria Pública em favor de pessoas jurídicas hipossuficientes e sobretudo enquadrar os membros da Instituição na categoria de advogadas/os.
Assim, no início da década passada, começou uma disputa judicial em que a APADEP teve papel fundamental no desfecho conferido ao tema pela Suprema Corte.
MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO
Ajuizada pelo Conselho Federal da OAB em agosto de 2011, a ADI 4.636 contou com manifestações favoráveis do Senado Federal, da Advocacia-Geral da União e da Procuradoria-Geral da República à autonomia da Defensoria Pública e à ausência de necessidade de inscrição de seus membros nos quadros da Ordem para fins de exercício da função pública e de sua capacidade postulatória.
Seu andamento, no entanto, ficou estagnado com o passar dos anos. A Associação Paulista das Defensoras e Defensores Públicos, por sua vez, durante a gestão do presidente Rafael Valle Vernaschi, e com apoio da Comissão de Prerrogativas e do Conselho Superior da Defensoria de São Paulo, reconheceu a relevância do tema e seu dever de proteger os interesses e direitos das/os associadas/os e obteve, inclusive, parecer do eminente professor Celso Antônio Bandeira de Mello.
Em 17 de setembro de 2012, sob a gestão do presidente Rafael Morais Português de Souza, a Apadep impetrou Mandado de Segurança Coletivo na Justiça Federal para anular todas as decisões que indeferiram os pedidos de cancelamento das inscrições na Ordem, com restituição dos valores pagos a título de contribuição, e a extensão do direito de cancelamento da inscrição a todas/os as/os associadas/os.
O juízo da 22ª Vara Cível da Justiça Federal de São Paulo denegou a ordem.
A Associação interpôs recurso de apelação e, durante a gestão da presidenta Franciane de Fátima Marques, atuou perante o Tribunal Regional Federal da 3ª Região.
O TRF, ao seu turno, considerou as defensoras e defensores públicos como advogadas/os que, portanto, deveriam estar inscritas/os nos quadros da OAB e se submeter tanto ao regime estatutário quanto ao advocatício, não lhes sendo possível aplicar o Estatuto da Ordem apenas quando conflitante com a legislação defensorial específica.
O Tribunal Federal contrariava, desta forma, os ditames constitucionais que desde a promulgação da Carta de 1988 e da LC n° 80/94 concediam à Defensoria Pública personalidade própria, autônoma e distinta da advocacia, pública e privada.
Ignorava, ademais, as Emendas Constitucionais n° 45/04 e n° 80/14 que, ao lado das alterações promovidas pela LC n° 132/09, afastaram completamente qualquer interpretação que permitisse a inclusão dos membros da Defensoria Pública na advocacia.
A Procuradoria-Geral da República, nesse interim, ajuizou a ADI n° 5.334 e se manifestou novamente em favor da autonomia da Defensoria em face da Ordem e da desvinculação das/os defensoras/es públicas/os dos quadros da advocacia.
Assim como a ADI n° 4.636, esta ação não teve análise de pedido cautelar ou de mérito e a Apadep, sob a gestão do presidente Leonardo Scofano e patrocínio do escritório Innocenti Advogados Associados, recorreu às instâncias superiores para reverter a decisão proferida pelo TRF-3.
O Recurso Especial interposto não foi inicialmente admitido e houve interposição de agravo de instrumento perante o Superior Tribunal de Justiça.
NOS TRIBUNAIS SUPERIORES
Com especial atuação dos advogados Dr. José Jeronimo Nogueira de Lima e Dr. Vicente Cândido, no início da primeira gestão da Diretoria presidida por Augusto Barbosa, e com importante participação das/os diretoras/es Rafael Galati, Débora Pezzuto e Luiz Fernando Baby Miranda, aos 16 de agosto de 2018 o Ministro Og Fernandes, monocraticamente, admitiu o recurso e lhe deu provimento para o fim de reconhecer a desnecessidade de inscrição na Ordem dos Advogados para que as/os defensoras/es exerçam suas funções.
Esta decisão, referendada por unanimidade pela Segunda Turma do STJ no início de 2019, permitiu que a Apadep promovesse a execução provisória em primeira instância por meio da qual 371 defensoras e defensores públicos se desvincularam da OAB/SP.
Interposto recurso extraordinário pela OAB, a questão chegou ao Supremo após importante trabalho da Apadep e de seus advogados para reverter decisão da Ministra Thereza de Assis Moura do STJ, que havia sobrestado o recurso até o julgamento pelo STF do pedido de desvinculação de um advogado da União em face da OAB.
O Ministro Alexandre de Moraes, relator do RE n° 1.240.999, manifestou-se pelo reconhecimento da repercussão geral da matéria, no que foi acompanhado por seus pares em dezembro de 2019 (Tema 1074), tornando o julgamento do Mandado de Segurança Coletivo da Apadep referência para todos os demais feitos em curso no Brasil.
APADEP NO SUPREMO
Ao lado da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (ANADEP), a Diretoria da Apadep e os advogados das entidades desenvolveram estratégia de atuação que se mostrou acertada.
Além de diálogo com Alexandre de Moraes, o Ministro relator do RE 1.240.999, a Apadep e seus advogados dialogaram e entregaram memoriais ao Procurador-Geral da República, Augusto Aras.
Em 15 de maio de 2020, o PGR manifestou-se contrário ao recurso da Ordem e favorável ao pedido da Apadep. O parecer do PGR foi divulgado no site da Instituição, dando destaque ao papel das/os defensoras/es públicas/os e da associação paulista.
Apadep e ANADEP, em seguida, organizaram entrega de memoriais a todos os demais integrantes da Suprema Corte e pedidos de audiência.
Os advogados da Apadep também realizaram audiência com a Chefia de Gabinete do Ministro Gilmar Mendes, relator da ADI 4.636 e, poucos dias após a apresentação dos argumentos da Associação e de apresentação de memoriais, a Ação Declaratória foi incluída na pauta de julgamento do Plenário virtual.
JULGAMENTO DA ADI 4.636 E DO RE 1.240.999
A ADI 4.636 foi pautada inicialmente e o relator Ministro Gilmar Mendes votou pelo reconhecimento da autonomia da Defensoria Pública e sua natureza de verdadeiro ombudsman, “que deve zelar pela concretização do estado democrático de direito, promoção dos direitos humanos e defesa dos necessitados, visto tal conceito de forma mais ampla possível, tudo com o objetivo de dissipar, tanto quanto possível, as desigualdades do Brasil, quase perenes”.
O RE 1.240.999 teve seu início de julgamento após o da ADI, oportunidade em que o relator Ministro Alexandre de Moraes votou pela inconstitucionalidade de exigência de inscrição das defensoras e defensores públicos nos quadros da OAB para o exercício do cargo. Além da maioria que o acompanhou, os Ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello fizeram questão de votar também por escrito a favor da desvinculação.
Após pedido de vista do Ministro Dias Toffoli nas duas ações, a Apadep e a ANADEP mantiveram contato periódico com o vistor para que devolvesse à pauta para finalização da votação, que estava bastante favorável.
As duas ações, então, foram devolvidas conjuntamente pelo Ministro e, no dia 03 de novembro de 2021, a ADI ajuizada pelo CFOAB foi julgada improcedente por 10 votos a 1, de modo a reconhecer que a Defensoria Pública pode representar judicial e extrajudicialmente pessoas jurídicas hipossuficientes, assim como que seus membros têm função distinta da advocacia, não devendo estar submetidos à OAB nem nesta inscritos.
A votação no Recurso Extraordinário, ao seu turno, encerrou-se com 9 votos contra 2, também no sentido de considerar desnecessária a inscrição na OAB para o exercício da função de defensora ou defensor público.
Essa decisão é, fundamentalmente, resultado da dedicação, qualidade e seriedade de todas as defensoras e defensores públicos de São Paulo e do Brasil no exercício de suas funções.
Do atendimento inicial às pessoas e grupos sociais vulnerabilizados até a atuação perante os Tribunais Superiores, publicação de artigos e teses, comunicação em diversas mídias, diálogo horizontal com a sociedade civil, a Defensoria Pública vai sendo construída passo a passo, enfrentando dificuldades, mas sempre em respeito à Constituição Federal, à redução das desigualdades sociais e ao acesso à justiça e cidadania para todas e todos.
A Apadep parabeniza a todas as defensoras e defensores por consolidarem a nossa autonomia frente aos demais Poderes e a todo o Sistema de Justiça!