Com informações de Ascom/Anadep e Conjur
Sem acesso a representação legal efetiva, milhões de pessoas pobres, vulneráveis e marginalizadas correm o risco de sofrer com prisões preventivas arbitrárias ou ilegais, bem como com tortura, confissões forçadas, condenações injustas, estigma social, impactos nocivos à saúde e à subsistência, entre outros abusos. Nesse sentido, a assistência jurídica é um elemento essencial para assegurar um sistema de justiça criminal justo, humano e eficiente, fundado no Estado de Direito, e deve ser garantida pelo Estado. Essa é a avaliação apresentada na “Declaração para Implementação do Princípios e Diretrizes da ONU sobre o Acesso a Assistência Jurídica nos sistema de Justiça criminal”, retirado durante conferência da Organização das Nações Unidas que reuniu 250 participantes dos sistemas de justiça de 67 países, incluindo ministros de Justiça, juízes de cortes constitucionais e representantes de organizações internacionais e entidades da sociedade civil.
Realizada em Joanesburgo (África do Sul), durante o mês de junho, a objetivo da conferência foi discutir medidas para a efetivação da Resolução 67/187, aprovada em dezembro de 2012 pela Assembleia Geral da ONU. Trata-se do primeiro documento de âmbito mundial a abordar o tema da assistência jurídica de forma específica, trazendo importantes avanços em termos de reconhecimento universal do direito dos necessitados à assistência jurídica de qualidade e independente, a ser prestada pelo Estado.
A Declaração de Joanesburgo afirma ainda que é mais custoso arcar com as implicações da ausência de assistência jurídica do que financiar a prestação gratuita do serviço, tendo em conta o significativo comprometimento financeiro para detentos, suas famílias e comunidades, bem como para os Estados, que precisam processar um grande número de presos que aguardam julgamento. Assim, o apoio judiciário e os programas de assistência, ao reduzirem a prisão preventiva excessiva e arbitrária, melhoram a administração da Justiça, aumentam a confiança pública no sistema e podem ainda impulsionar o desenvolvimento socioeconômico a nível familiar e comunitário.
Considerando que violações legais e de direitos humanos de presos atingiram graves proporções na maior parte do mundo, o documento convoca governos, provedores de assistência jurídica e a comunidade internacional a se engajarem na implementação rápida e eficaz dos Princípios e Diretrizes da ONU sobre a Assistência Jurídica. No que diz respeito aos Estados, o texto apela para que haja vontade e compromisso político, com “priorização dos orçamentos nacionais para os programas de assistência jurídica”.
Como seguimento dos esforços desta conferência, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) lançou o início dos trabalhos do “Estudo Global sobre Assistência Jurídica”, que terá duração de dois anos e pretende ser a maior pesquisa mundial sobre o tema.
Financiamento dos sistemas de assistência jurídica e o caso brasileiro
O defensor público André Castro foi o convidado para representar o Brasil na conferência. Ele participou do painel “Financiamento dos sistemas de assistência jurídica: relação custo-beneficio e sustentabilidade”, quando falou sobre experiência brasileira com a luta pela afirmação do modelo constitucional de Defensoria Publica e suas vantagens em relação aos modelos privados, seja do ponto de vista financeiro-orçamentário, seja do ponto de vista da qualidade dos serviços e da efetividade da proteção aos direitos fundamentais.
“Estudos realizados por órgãos oficiais já apontavam claramente para a necessidade de se investir na assistência jurídica como forma de reduzir custos financeiros e sociais relativos, por exemplo, à morosidade dos processos criminais e à superlotação do sistema penitenciário, com quase metade da população prisional composta de presos provisórios”, observa Castro.
Segundo ele, o baixo valor empregado pelos governos na assistência jurídica é um problema generalizado. “Em quase todos os países, os investimentos públicos em assistência jurídica são bem inferiores que os investimentos feitos nos órgãos de persecução penal. Na África do Sul, por exemplo, investe-se 2 dólares per capita no sistema da assistência jurídica, o mesmo valor investido pelos EUA – a maior economia do planeta. Já no Brasil investe-se aproximadamente 4 dólares per capita, com enormes discrepâncias entre os diferentes estados”, afirma.
Ainda assim, constatou que a assistência jurídica em países latino-americanos, africanos e asiáticos avançou significativamente nos últimos anos. “Na América latina, predomina claramente o modelo de Defensoria Pública, enquanto na África os modelos mistos são majoritários, como no caso da África do Sul, com defensores públicos, advogados contratados em caráter subsidiário e colaboradores “para-legais”, atuando especialmente em ações de educação em direitos e mediações nas comunidades”, completa.
No Brasil, o Congresso Nacional promulgou em junho a Emenda Constitucional 80, que fixa o prazo de oito anos para que a União, os estados e o Distrito Federal dotem todas as comarcas de defensores públicos. Além de prever que onde há juiz e promotor, haja também defensor público, o texto amplia o conceito de Defensoria Pública na Constituição, classificando-a como instituição permanente e instrumento do regime democrático. De acordo com pesquisa recente do Ipea, feita em parceria com a Associação Nacional dos Defensores Públicos, 72% das comarcas brasileiras ainda não contam com serviços da Defensoria Pública.