O artigo “Gênero e diversidade sexual nas escolas: uma questão de direitos humanos”, publicado pela Carta Capital, abordou o direito à educação, previsto na Constituição Federal, bem como medidas inclusivas que combatam a desigualdade de gênero e sexualidade, garantindo cada vez mais os direitos básicos da sociedade. O texto é assinado por Vanessa Alves Vieira, Coordenadora do Núcleo Especializado de Combate à Discriminação, Racismo e Preconceito da Defensoria Pública de SP, Ana Paula Meirelles Lewin, Coordenadora do Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher da Defensoria Pública de SP, Bernardo Fonseca Machado e Michele Escoura Bueno, pesquisadores do Núcleo de Estudos dos Marcadores Sociais da Diferença (Numas – USP). Confira abaixo trechos do artigo:
“(…) A Constituição Federal Brasileira, promulgada em 1988, em seu artigo 6º, estabelece que a educação é um direito de todos e ainda que indica quais condições para acesso e permanência escolar devem ser garantidas pelo Estado.
Entretanto, pesquisas científicas vindas dos mais diversos campos disciplinares mostram que grupos específicos da população são continuamente afastados da escola. As altas taxas de evasão escolar masculina (37,9% dos homens, segundo dados do IBGE, em 2011) têm sido apontadas como consequência de referenciais de masculinidade difundidos socialmente.
Uma identidade masculina baseada na agressividade, na indisciplina e em noções hierarquizadas do que é ser homem ou mulher tem, segundo esses últimos estudos, reproduzido uma cultura de violência e afastado os meninos dos bancos escolares.
Lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBTs) compõem outro grupo populacional que tem seu direito fundamental à educação violado com, igualmente, altas taxas de evasão. Em razão da total invisibilidade dada ao problema, órgãos governamentais ainda não dispõem de indicadores que possam medir o tamanho estatístico dessa exclusão escolar.
No entanto, pesquisas qualitativas sinalizam a recorrência com que a exclusão escolar aparece nas trajetórias de vidas das pessoas LGBT , que são sempre associadas ao ódio e à violência perpetrados contra essa população dentro do ambiente escolar.
O que as investigações acima citadas fazem em comum é identificar as discriminações de gênero como causas para processos de exclusão. As pessoas que não se submetem aos padrões de feminilidades, masculinidades e orientações sexuais encarados como normais, a partir da ótica dos padrões sociais dominantes, são reiteradamente expostas, no ambiente escolar, a violações de direitos, agressões físicas e verbais e discriminações de todo tipo. Suas diferenças convertem-se em reais desigualdades.
Por exemplo, a Defensoria Pública de São Paulo recebe várias denúncias de discriminações nas escolas, sendo as principais delas: a recusa de utilização do nome social, o desrespeito à identidade de gênero de travestis e transexuais, a prática reiterada de insultos contra pessoas integrantes da população LGBT e agressões físicas ou ameaças contra mulheres.
Ao contrário de “ideologias” ou “doutrinas”, sustentadas por crenças ou fé, o conceito de gênero está baseado em parâmetros científicos de produção de saberes sobre o mundo e busca identificar processos históricos e culturais que classificam as pessoas a partir de uma relação sobre o que é entendido como feminino e masculino.
(…) Nos últimos meses, porém, em vez de nos depararmos com a aprovação de planos de educação que levassem em conta tais pesquisas e validassem o princípio constitucional de construção de um país mais justo e igualitário, foi reacesa a cruzada contra a igualdade de gênero.
No (…) campo intelectual nacional e internacional, há quem entenda que as categorias (…) “gênero” ou “orientação sexual”, especialmente nos planos locais de educação devem ser censuradas. Agindo dessa maneira, o objetivo acaba sendo adiar por mais dez anos o reconhecimento da dignidade humana de grupos historicamente excluídos e de seu direito fundamental à educação.
Agindo dessa maneira, o objetivo acaba sendo adiar por mais dez anos o reconhecimento da dignidade humana de grupos historicamente excluídos e de seu direito fundamental à educação.
Temos assistido a essa tentativa de retrocesso e não podemos nos calar frente às investidas para barrar as metas de combate às desigualdades sociais. Ao contrário do que se tem deliberadamente divulgado, falar em uma educação que promova a igualdade de gênero não significa anular as diferenças percebidas entre as pessoas, mas garantir um espaço democrático onde tais diferenças não se desdobram em desigualdades, hierarquias ou marginalizações.
É hora de exigir que o direito à educação seja assegurado a qualquer cidadã ou cidadão brasileira/o e, para isso, políticas de combate às desigualdades de gênero e sexualidade precisam ser implementadas e o exercício da cidadania, garantido. “
Confira o artigo na íntegra clicando aqui.
Fonte: Carta Capital