O direito ao acesso à Justiça é um direito fundamental, garantido pela Constituição e por tratados internacionais de Direitos Humanos. Para garantir esse direito, a Constituição determina que, em nome do Estado, é a Defensoria Pública o órgão responsável pela orientação jurídica e a defesa dos necessitados em todos os graus de jurisdição.
Assim, fica claro que a Constituição Brasileira adotou o sistema publicista de prestação de assistência jurídica, tendo o Estado o dever de criar, estruturar e manter agentes públicos para a prestação deste serviço à população carente.
Em São Paulo, a Defensoria Pública foi criada apenas em 2006, após intensa mobilização popular que congregou mais de 400 entidades da sociedade civil organizada.
Nesses dois anos de existência, a Defensoria já mostrou a que veio, estabelecendo um novo paradigma de prestação da assessoria jurídica à população carente, com um atendimento que prima pela qualidade e que emprega inclusive métodos mais eficientes e abrangentes de acesso à justiça, como a educação em direitos e a mediação de conflitos, não se limitando às defesas em processos judiciais.
Há, ainda, a atuação dos núcleos especializados em diversas áreas, através dos quais os Defensores desenvolvem ferramentas judiciais e extrajudiciais de proteção a grupos de pessoas com maior grau de vulnerabilidade no tocante à violação de direitos, tais como as crianças/adolescentes, os idosos, as mulheres, os negros, dentre outros. No desenvolvimento do seu mister, os núcleos especializados ingressam com ações civis públicas que tutelam, de maneira coletiva, os direitos de milhares de pessoas.
Além disso, a lei que instituiu a Defensoria em São Paulo previu diversas e modernas formas de controle social sobre esse serviço público, com Ouvidoria externa e participação da sociedade civil na formulação das metas de atuação da instituição, através das conferências regionais e estadual, que se realizam bienalmente com a ampla participação dos destinatários do serviço.
No entanto, ainda temos muito a avançar. E os principais entraves para isso são o pequeno número de defensores, a precária infra-estrutura e uma remuneração muito inferior às demais carreiras jurídicas com o mesmo status constitucional, como Ministério Público e Magistratura.
Alguns dados revelam a necessidade, urgente, de investimento na Defensoria:
a) Com apenas 400 defensores, hoje, a Defensoria Pública atua apenas em 22 das mais de 360 comarcas do Estado;
b) Para cada defensor público existem 58.130 potenciais usuários (no Estado do Rio de Janeiro essa proporção é de 1 para 13.886 usuários).
c) São Paulo é o único Estado da federação que possui convênio com a Ordem dos Advogados do Brasil para a prestação da assistência judiciária, permitindo que advogados não concursados exerçam atribuições constitucionalmente reservadas aos defensores públicos, sem o mesmo tipo de controle que esses possuem (Corregedoria e Ouvidoria, por exemplo). Naturalmente é muito mais difícil, para o Estado, garantir a qualidade de um serviço prestado por 47 mil advogados, espalhados, do que por uma Instituição com organização interna própria para isso;
d) O atendimento por esse convênio sai mais caro para os cofres públicos: em 2007, enquanto a Defensoria Pública gastou R$ 58.087.350,82 com seu próprio quadro de servidores, teve um gasto de R$ 272.481.484,21 com o convênio da OAB/SP. Esse dinheiro, se investido diretamente na Defensoria, permitiria que essa atendesse a totalidade da demanda do Estado (após a criação de cargos por lei e realização de concurso público).
e) A Defensoria perdeu quase 15% de seus quadros em apenas 1 ano, por conta da diferença de tratamento com relação às demais carreiras jurídicas, o que acarreta em prejuízo no atendimento, mais gasto público para treinamento de novos defensores etc.
Enfim, muitos são os desafios a serem enfrentados antes que possamos efetivamente dizer que a Defensoria é uma instituição forte, valorizada e que efetivamente garante o acesso à justiça da população carente.
Um exemplo bastante atual desses desafios foi o grande impacto sentido na prestação do serviço público de assistência jurídica por conta da não renovação do convênio entre a Defensoria Pública e a Ordem dos Advogados do Brasil – convênio esse que existe para suprir a demanda não absorvida pela Defensoria, por absoluta impossibilidade material.
Essa repercussão, mais do que uma discussão sobre quem está certo, OAB ou Defensoria, traz à tona um importante debate a ser feito sobre os rumos da Defensoria Pública e do direito constitucional de acesso à justiça.
O problema central deve ser encarado: não é razoável que o direito de acesso à justiça da população carente fique, em qualquer grau, à mercê da boa vontade de instituições privadas, que não tem a obrigação constitucional de garanti-lo.
Por isso, é fundamental que situações como essa sirvam de alerta para o governo estadual, que deve se convencer da necessidade da estruturação, valorização e fortalecimento da Defensoria Pública.
Somente quando a Defensoria estiver presente em cada comarca de São Paulo o Estado terá cumprido sua obrigação constitucional de garantir, com qualidade, o pleno acesso à Justiça a todo e qualquer cidadão carente.
APADEP- ASSOCIAÇÃO PAULISTA DE DEFENSORES PÚBLICOS