Após campanha nacional, projeto que impede que visitantes fiquem nus durante o procedimento de revista em presídios foi aprovado no Senado e agora segue para a Câmara dos Deputados
O Senado aprovou na última semana, por unanimidade, o Projeto de Lei 480, de 2013, que proíbe a realização de revistas vexatórias em presídios brasileiros. O PLS, de autoria da senadora Ana Rita (PT-ES), agora segue para votação na Câmara dos Deputados. Procedimento comum nos presídios, a revista vexatória é enfrentada por visitantes e estabelece que as pessoas fiquem nuas e se agachem três vezes sobre um espelho. Mulheres de todas as idades têm ânus e vagina revistados pelos agentes penitenciários, assim como crianças também devem se despir na frente de desconhecidos.
A medida é adotada para evitar a entrada de aparelhos de celular, armas, drogas e chips no presídio. No entanto, das visitas realizadas entre fevereiro e abril dos anos de 2010 a 2013, em São Paulo – que tem a maior população carcerária do país –, somente 0,03% das revistas identificou que os visitantes portavam drogas e celulares. A pesquisa, elaborada pela Rede Justiça Criminal, com dados fornecidos pela Secretaria de Administração Penitenciária do estado, concluiu também que nenhuma pessoa tentou levar armas para os internos.
Entre os detentos de nove presídios paulistas analisados, 2,61% foram acusados de possuir algum objeto ilícito. Ainda que seja baixo, o número mostra que a maioria dos itens proibidos não chega dentro das unidades por meio das visitas, o que reforça, na visão de entidades da sociedade civil, a ineficácia de uma medida considerada humilhante.
A aprovação do projeto ocorre 42 dias após o lançamento de uma campanha promovida por movimentos sociais ligados à defesa dos direitos humanos que denuncia as violações ocorridas durante o procedimento. A revista vexatória é condenada pela Organização das Nações Unidas, que identifica a prática como “mau trato” e, em algumas circunstâncias, tortura. O relator especial da ONU para a Tortura, Juan Mendez, considera as revistas “cruéis” e “desumanas”.
“A revista íntima é muito humilhante. As funcionárias querem que coloquemos as mãos em partes íntimas do nosso corpo. O normal é abaixar três vezes de frente e três vezes de costas, mas as funcionárias nos fazem até abaixar dez vezes”, diz a mulher de um dos presos de São Paulo, em carta enviada para a organização social Conectas Direitos Humanos. Os nomes não foram divulgados para preservar as identidades. “Se eu estiver muito fechada, a funcionária diz que não posso entrar e me manda voltar para casa (…) Mulheres que fazem tratamento vaginal não podem entrar na visita.”
“A revista íntima é a pior coisa que já vi no mundo, sofro e choro com a discriminação sofrida, elas (…) pedem para eu abaixar diversas vezes e cada vez que abaixo pedem para eu me limpar e fazer força, faço o que elas mandam, pois me sinto coagida”, diz a familiar de outro interno, também por carta. “Meu filho de 3 anos tem medo delas e me pede para eu parar de chorar (…) entristecido pela humilhação que a mãe dele passa.”
Ainda que seja ilegal, já que a Constituição Federal assegura o direito à intimidade, o método é proibido somente em Goiás, Minas Gerais, Espírito Santo, Paraíba, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Nos outros estados brasileiros, a revista ainda é amplamente adotada em presídios. O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária apresenta, desde 2006 uma resolução que recomenda a utilização de equipamentos eletrônicos para a revista. A medida busca a preservar a honra e a dignidade durante o procedimento.
A Rede Justiça Social, grupo de entidades que lançou a campanha pela proibição das revistas vexatórias nos presídios brasileiros, espera que o projeto não sofra alteração na Câmara dos Deputados. “A batalha é para que ele seja aprovado como está, que é um texto extremamente positivo”, afirma Vivian Calderoini, advogada da ONG Conectas, que compõe a Rede Justiça Social. Ela considera um grande passo a unânime aprovação no Senado sem nenhuma alteração no conteúdo. A advogada avalia que a campanha foi fundamental para tornar o tema de conhecimento popular. “[A revista vexatória] é uma das piores violações de direitos humanos com as quais o Brasil convive e é completamente invisível”, afirmou.
A advogada afirma que o sistema prisional é “extremamente” fechado, e os únicos que têm acesso às prisões são os familiares dos detidos, pessoas jurídicas e aqueles que prestam assistência religiosa. Com isso, os abusos que acontecem durante as revistas são pouco denunciados. “Os parentes têm medo de represália aos seus entes que estão presos porque fica muito difícil de verificar se eles vão ser ameaçados ou agredidos. É o que a gente chama de caixa preta da prisão.” Além disso, Vivian aponta que não existe uma lei que permita as revistas vexatórias. “O poder público só pode realizar ações que estejam permitidas em lei, ao contrário do cidadão, que pode realizar tudo que não está proibido.”