Embalados pela música eletrônica, milhares de pessoas aproveitam a tarde de sol para celebrar a diversidade na Avenida Paulista. Neste ano, a 18ª Parada do Orgulho LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais), que tradicionalmente ocorre em junho, foi antecipada para não coincidir com a Copa do Mundo. “Mudamos [a data] pensando no bem-estar de quem veio para a parada. Porque eu tive a informação que 40% da rede hoteleira estão reservados para a Copa. E a parada ocupa 100%”, explicou o presidente da associação da parada, Fernando Quaresma.
A associação não informou, no entanto uma expectativa de público para o evento de hoje (4). Os participantes, que lotavam a avenida no início da tarde, começaram a chegar já pela manhã e a se concentrar perto do Museu de Arte de São Paulo (Masp). Por volta das 14h, a bandeira do arco-íris, símbolo do movimento LGBT, passava pela Rua da Consolação rumo à Praça da República, onde ocorrerão os shows de encerramento.
Com fantasias de inspiração cinematográfica, as drag queens, e as transexuais, vestidas com roupa de festa, faziam sucesso com o público. Alguns se contentam só com um aceno ou sorriso. Muito frequentes, porém, são os pedidos para uma foto. A transexual Lara Pertille disse que não se incomoda com o assédio. “As pessoas podem se encantar com essa fábrica de beleza. As pessoas podem se encantar com tudo que é novo. Bom que elas estejam descobrindo algo novo”, disse.
Para Lara, a parada é um momento de afirmação para as transexuais e o restante de comunidade LGBT. “Acho que é um dia de protesto, de visibilidade. Um dia para mostrar que existimos, que pagamos impostos e que somos limpinhos”, ironizou a jornalista de 26 anos que veio de Paulínia, interior paulista.
O estudante universitário Anderson Melo contou que veio de Mairinque (SP) para se divertir e protestar. “Além de toda a festa, eu faço questão de me integrar à militância [LGBT]”, ressaltou. Ele se preocupa, entretanto, que o apelo festivo enfraqueça a mensagem contra o preconceito. “Talvez esse formato tire um pouco da atenção da causa social. Não para o público LGBT, mas para quem vê de fora.”
A festa não é um problema para a consultora financeira Ana Braz. “Eu acho super legal esse tipo de manifestação, é alegre e dá um ar diferente”, disse Ana, que é heterossexual.
Protesto contra a homofobia
Um dos maiores eventos em prol da diversidade sexual do mundo, neste ano a parada sai as ruas com o lema: “País vencedor é país sem homolesbotransfobia. Chega de mortes!”.
“O que querem os gays na avenida que é o maior símbolo do capital? Nós queremos respeito. Queremos dignidade”, sintetizou o sócio-fundador da associação da parada, Nelson Matias, sobre o espírito do evento. “Amar quem eu quero é um direito de foro íntimo. A sociedade tem que respeitar e o governo, garantir”, acrescentou ao participar da entrevista coletiva de abertura do evento.
A ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Ideli Salvati, disse que a comunidade LGBT deve aproveitar a mobilização conseguida com a parada para pressionar o Parlamento pela aprovação de projetos contra o preconceito. “Vocês colocam 2 ou 3 milhões de pessoas na rua. Vocês precisam transformar isso em votos no Congresso Nacional. Porque essa imagem de poder do homem branco, rico e hétero está instalada lá”, ressaltou a ministra. Ideli manifestou apoio ao Projeto de Lei 122 de 2006, que tipifica a homofobia como crime, uma das principais bandeiras da parada.
O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, destacou que, apesar do clima festivo, a parada ainda remete a temas de grande seriedade. “Nós entendemos que isso aqui é uma parada cívica. Para nós, infelizmente, ainda não é uma festa”, disse o prefeito, que lembrou as “atrocidades” cometidas por pessoas que têm preconceito.
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, aproveitou o momento para anunciar a instalação da sede do Museu da Diversidade Sexual, na Avenida Paulista. A instituição funciona atualmente na Estação República do metrô, onde recebeu cerca de 35 mil visitantes ao longo do ano passado. O governo trabalha agora para a desapropriação indireta de um casarão do século 19, remanescente do início da ocupação da região. “Quem passar na Paulista vai ver uma casa em mau estado. Mas ela será restaurada para ser o Museu da Diversidade”, anunciou o governador.
Caminhada Lésbica e Bissexual
Na véspera (3), ocorreu em São Paulo a 12ª Caminhada Lésbica e Bissexual. Com carro de som, tambores e faixas, a passeata começou na Avenida Paulista e interditou um dos sentidos da Rua Augusta em direção ao Largo do Arouche. A caminhada sempre ocorre um dia antes da Parada do Orgulho LGBT. Segundo uma das organizadoras da manifestação, Rute Alonso, as lésbicas e bissexuais têm “algumas pautas específicas das mulheres, que acabam não sendo comuns a toda a população LGBT”. Entre esses pontos, ela destacou o atendimento nos serviços de saúde.
“Quando você vai ao ginecologista, ele já pressupõe que você é heterossexual. E a gente gostaria que fosse um tratamento inclusivo. Deixar as lésbicas e bissexuais mais tranquilas para usar os serviços de saúde”, ressaltou Rute. De acordo com ela, o desconforto com o atendimento faz com que muitas mulheres deixem de procurar o auxílio profissional.
Para Rute, a violência é outro ponto que preocupa essas mulheres. Ela reclama que não existem estatísticas sobre os casos de estupro corretivo – quando a mulher é violentada como ataque à sua identidade sexual. “Já existe uma subnotificação de estupros em geral, por toda a vergonha da mulher que é vítima de estupro. Por outro lado, esses profissionais que acolhem não têm necessariamente indicadores para registrar que aquilo foi um estupro corretivo”, reclamou. “ O que a gente precisa é que o governo se sensibilize e comece a levantar números”.
Existem ainda reivindicações específicas das bissexuais. A funcionária pública Natasha Avital reclama da discriminação não só dos heterossexuais, mas também de homossexuais. Segundo ela, existe uma incompreensão sobre as pessoas que transitam pelas duas opções. “Muitos acham que somos héteros e só queremos experimentar, nunca teremos uma relação séria com uma mulher”, disse sobre as opiniões que escuta. “Alguns gays e lésbicas têm medo que usem a gente como exemplo de que as pessoas podem mudar [deixar de ser homossexuais]”, acrescenta. Para combater essa visão, Natasha estava com um grupo distribuindo panfletos e esclarecendo sobre a condição de bissexual. “A gente veio aqui falar com todas as mulheres”.