“É um verdadeiro inferno. Eu passava pela revista e parava em algum lugar para secar as lágrimas do rosto para o meu filho não perceber que eu tinha chorado, senão ele ia pedir que eu não fosse mais. Era obrigada a agachar sem roupa e a agente penitenciária falava ‘abre esse negócio porque eu não estou vendo nada!’. É uma situação que te constrange, te humilha e te machuca”, conta, emocionada, a mãe de um ex-interno do sistema carcerário paulista, que foi submetida às revistas vexatórias durante os dois anos que visitou o filho em um presídio.
Para impedir que a prática, já generalizada no país, continue ocorrendo, a Rede Justiça Social lançou na quarta 23 uma campanha nacional para denunciar as revistas vexatórias e para pedir a aprovação, com urgência, do Projeto de Lei do Senado 480, de 2013, que proíbe o procedimento. O PLS, de autoria da senadora Ana Rita (PT-ES), altera a Lei de Execução Penal e proíbe que os visitantes, na maioria mulheres e crianças, tenham de ficar nus durante a revista.
Para a campanha foi criado o hotsite http://www.fimdarevistavexatoria.org.br, que divulga quatro vídeos e quatro áudios com dramatizações que reproduzem o ambiente dessas revistas. A ideia é divulga-los em redes sociais, salas de cinema e em instalações em espaços públicos de São Paulo. Pelo site é possível também encaminhar uma mensagem-padrão para o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), pedindo que o projeto de lei seja enviado com urgência para votação.
Teoricamente, os procedimentos de revista vexatória teriam sido adotados para impedir que drogas, armas, chips ou celulares entrem nas prisões. No entanto, das visitas realizadas entre fevereiro e abril dos anos de 2010 a 2013, em São Paulo – que tem a maior população carcerária do país – houve tentativa de adentrar as unidades com drogas ou celulares em apenas 0,03%. Nenhuma pessoa tentou levar armas para os internos, segundo pesquisa da Rede Justiça Criminal, elaborada a partir de dados fornecidos pela Secretaria de Administração Penitenciária.
“A sociedade é taxativa. Se uma pessoa foi presa ela deixa de ser o João, o Antônio, o Paulo e passa a ser chamado de ladrão. Lá dentro todo mundo se dirige a ele como ladrão. Eu sou mãe de preso e se eu for arrumar um emprego eu não posso falar isso senão eu sou descriminada automaticamente”, lamenta a mãe do ex-interno, que por questões de segurança preferiu não se identificar.
Em 2012, das quase 3,5 milhões de pessoas que foram submetidas a revistas vexatórias em São Paulo, apenas 0,02% foram flagradas com alguma quantidade de droga ou componente eletrônico, de acordo com dados cedidos pela Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo à Defensoria Pública, publicados na pesquisa da Rede Justiça Criminal. O número de apreensões de objetos ilícitos feitas dentro dos presídios é quatro vezes maior que as realizadas com visitantes.
As visitantes devem se agachar e, em alguns casos, abrir os órgãos genitais com as mãos e fazer força como se estivessem dando à luz. Nesse processo, mulheres têm vagina e ânus revistados, crianças precisam ficar nuas na frente de adultos desconhecidos e idosas devem superam os limites físicos da idade para conseguir abaixar e levantar sem roupa íntima, em cima de um espelho.
“É inadmissível que um país que se diga democrático conviva com uma prática dessas, que impõe sofrimento físico e psíquico para todos. É uma violação institucionalizada, uma violência cometida pelo Estado contra as famílias que tem como consequência inibir visitas. Assim, o vínculo social do interno fica mais restrito e isso é muito prejudicial para a superação das taxas de reincidência”, afirmou a advogada Vivian Calderoni, da organização não governamental Conectas Direitos Humanos, durante o lançamento da campanha.
O defensor público Patrick Cacicedo concordou. “A prática é permeada por objetivos não declarados, que são alcançados, como evitar o contato dos familiares com o ambiente carcerário, que é permeado por muitas irregularidades. É comum que pessoas presas digam para que seus familiares não os visitem para que não passem pela revista.”
Foi o que ocorreu com a mulher de um interno que participou do evento e preferiu não se identificar. “Eu não vou voltar mais para visitar meu marido, porque a última visita foi muito humilhante e eu tenho mais condições de passar por aquilo. Entraram quatro pessoas e uma criança de uns seis anos, ficamos todos pelados e a agente penitenciária falando tudo o que tínhamos que fazer. A gente é obrigada a ver a mãe tirar a fralda das crianças e a abrir as perninhas das crianças. É humilhante demais.”
A prática não está prevista na lei. Ao contrário, a Constituição Federal garante o direito à intimidade, assegurando indenização pelo dano decorrente da violação. Atualmente, apenas seis estados proíbem a prática: Paraíba, Goiás, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.
Uma resolução do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, de 12 de julho de 2006, já recomendava a utilização de equipamentos eletrônicos para a revista em presídios, visando a preservar a honra e a dignidade durante as revistas. “Somos obrigadas a colocar a perna em cima do balcão e ainda colocar o dedo e ficar de quatro”, denunciou a parente de um interno à Conectas Direitos Humanos, por carta.
A prática de revista vexatória foi denunciada pela ONG aos países-membro do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, durante a 25ª sessão ordinária do órgão, realizada em março, em Genebra, na Suíça. A organização pedirá ainda às Nações Unidas que recomende o fim imediato da prática no Brasil. O relator especial da ONU para a tortura, Juan Mendez, chegou a afirmar para a entidade que as revistas vexatórias são “cruéis” e “desumanas”.
O Subcomitê de Prevenção à Tortura da ONU, em relatório sobre o Brasil no ano de 2012, recomenda que “o Estado assegure que as revistas íntimas cumpram com os critérios de necessidade, razoabilidade e proporcionalidade (…) duma maneira compatível com a dignidade humana e respeito pelos direitos fundamentais. Revistas intrusivas vaginais ou anais devem ser proibidas pela lei”.
As Regras de Bangkok, que estabelecem critérios para o tratamento de mulheres presas, determinam que devem ser desenvolvidos métodos de revista que substituam exames invasivos e que os funcionários da prisão deverão ter “competência”, “profissionalismo” e “sensibilidade” para revistarem crianças.
Em 1996, a Argentina foi condenada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por revista vexatória de uma mulher e a filha dela, uma adolescente de 13 anos. A Convenção Americana de Direitos Humanos garante o direito à integridade pessoal e o direito da proteção da honra e da dignidade.