Defensores em força tarefa para conter condenação sem julgamento

 

 

CADEIA

 

O mutirão de Defensores Públicos no Complexo do Curado, na Zona Oeste do Recife, entra na última semana e um balanço preliminar mostra um descaso alarmante com os processos dos presos. O número de atendimentos realizados desde o dia 2 de março não foi divulgado, mas ainda há casos absurdos de pessoas que estão reclusas de forma indevida.

Um exemplo é o processo de um homem que poderia ter migrado para o regime semiaberto há 12 anos, mas sofre até hoje com a privação da liberdade.

No início deste ano, o conjunto de presídios registrou uma série de rebeliões violentas, deixando três mortos e dezenas de feridos. Uma das principais reivindicações dos detentos era mais agilidade para os processos.

Por meio da Defensoria Sem Fronteiras, foi feito um mutirão com 48 profissionais de todo o Brasil.

O Defensor Artur Neto, responsável regional pela ação, crê que um dos principais problemas do sistema carcerário pernambucano é a falta de análise dos pedidos de direitos na execução penal, como progressão de pena e livramento.

Esse fator implica na superlotação, por exemplo, do Complexo do Curado, que abriga tanto detentos já condenados como presos provisórios – aqueles que não tiveram condenação definitiva. “O último levantamento diz que 61% da população carcerária são compostas de presos provisórios, então há algo de errado, porque a prisão provisória é a exceção. Essa pessoa está ocupando vaga em presídio e gastando recurso do Estado”, apontou Artur.

O próprio Defensor tratou do caso de um preso que, desde 1° de abril de 2014, tinha direito à progressão do regime fechado para o semiaberto. “Esse direito foi peticionado em 15 de julho de 2014 e não foi analisado porque o juiz pediu pesquisa para saber se ele estava preso por outro processo. A pesquisa não foi concluída e a pessoa ainda está presa. Eu reiterei o pedido, colocando que o juiz o aprecie afastando a pesquisa, em homenagem à presunção de inocência”, disse.

Em nota, o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) explicou que, após as rebeliões de janeiro, instalou um regime especial da 1ª Vara Regional de Execução Penal do Estado, para analisar e agilizar processos, com prioridade para ações de presos do Complexo Prisional do Curado. “Até o final de fevereiro, cerca de 1.600 processos da Vara já haviam sido analisados pelos oito juízes que participam do regime”, concluiu.

O documento informa ainda que o regime especial vai durar seis meses, podendo ser prorrogado. Nesse período, as 17 mil ações que estão em andamento na Vara serão analisadas. Uma central de agilização processual, que conta com outros 12 juízes, está se dedicando a avaliar processos de presos provisórios.

Casos em todo o Brasil

O Defensor Público do Paraná, Henrique Lima de Menezes, apresentou um caso mais grave. W.F.A (nome fictício) foi condenado a quatro anos por roubo, em setembro de 2008, mas ele continua preso no Complexo do Curado. “Faltou decisão de progressão de regime, decisão de livramento condicional, decisão para indulto e comutação de pena e, finalmente, a decisão para extinção da pena por integral cumprimento. Ele já poderia estar solto há pelo menos cinco anos por meio dos direitos de progressão de pena e livramento condicional. É um típico caso de esquecimento. Ele não deve ter tido advogado e pode-se fazer até mea culpa com a Defensoria local, que não prestou assistência jurídica neste caso, devido à sua limitação natural [de efetivo]”, apontou.

O Defensor Público federal Gustavo Hahnemann relata algo parecido. R.A.S.J (nome fictício) tem dois processos por tentativa de furto e de roubo, cuja condenação deu pena unificada de 5 anos e um mês. Ele já tinha cumprido dois anos e sete meses e conseguiu entrar em livramento condicional. No entanto, em junho de 2013, teve esse benefício revogado por ter sido flagrado em um suposto roubo e voltou ao Curado. “Só que nesse processo do retorno, ele foi absolvido e já podia ter acesso novamente ao livramento condicional, mas continua preso. Por isso estou entrando com requerimento de indulto, que é uma espécie de perdão da pena. Faltou essa comunicação entre o juiz que absolveu para o juiz da execução”, assegurou.

O Defensor Público do Maranhão e coordenador adjunto do mutirão, Paulo Rodrigues da Costa, encontrou um caso semelhante. L.A.S.R (nome fictício) foi preso em fevereiro de 2013 por ameaça e lesão corporal em situação de violência doméstica. O processo deveria ter sido resolvido em 180 dias, mas o homem só recebeu uma medida cautelar em maio de 2014, em um mutirão do Conselho Nacional de Justiça. Ele saiu do Curado e passou a usar tornozeleira, enquanto aguardava julgamento.

O equipamento acusou que L.A.S.R se aproximou da residência da mulher que o tinha denunciado à polícia em Julho de 2014 e ele foi novamente detido sem flagrante ou determinação judicial e levado para o Curado. “Ele já está há mais de dois anos preso, somando a primeira e esta prisão. Se ele for condenado por ameaça ou por lesão terá que ser solto porque já vai ter cumprido a pena, por isso, vou entrar com habeas corpus. Isso reflete, para mim, a completa desorganização do ciclo de comunicação do sistema punitivo do Estado”, afirmou Costa.

O mesmo problema se repete em processo encontrado pela Defensora Pública do Paraná Andreza Lima de Menezes. J.J.R.S (nome fictício) foi preso provisoriamente em maio de 2014, por furto simples. A pena máxima para este crime é de quatro anos de prisão, que poderia ser revertido em regime semiaberto.

Em junho de 2014 foi concedida liberdade provisória, mas o alvará não foi cumprido porque existia um registro desatualizado no Cadastro Nacional de Mandado de Prisão: “Dizia lá que havia um mandado em aberto, mas ele já tinha sido revogado por conta da prescrição do fato. Foi uma receptação em Barreiros (cidade da Mata Sul de Pernambuco), que também não cabe prisão, seria pena no semiaberto. Solicitei que o alvará fosse mandado para o Curado, porque ele foi mandado, de forma errada, para o Cotel, e que fosse dada baixa no cadastro”, disse Andreza.

A Defensora garantiu que vai entrar também com ação indenizatória: “O erro judiciário é flagrante aqui, é um caso absurdo. Eu tenho me surpreendido negativamente nesse mutirão com a falta de cuidado com os processos e falta de informações seguras sobre a movimentação processual”, afirmou.

 Sem harmonização entre regimes

O Defensor Danilo Caetano, que veio de São Paulo, também ficou alarmado com outro caso. A.F.L (nome fictício) foi preso no último dia 3 de março por dois delitos que não resultam em prisão: dirigir sem habilitação e desobediência – segundo policiais, ele acelerou o carro para evitar a blitz. “Esses delitos não permitiriam a prisão em flagrante, só que na pesquisa verificaram a existência de um mandado de prisão aberto contra ele, em 1993, na comarca de Guarulhos, SP. Verifiquei que este mandado foi revogado em 1996, mas a notícia não chegou aqui, por isso ele foi preso e vou pedir liberdade provisória. Isso foi uma falha administrativa entre as comarcas e, por isso, ele está passando por esta situação degradante”, frisa Danilo.

Caetano ainda chamou atenção para a falta de “harmonização” entre as penas privativas de liberdade. Ele contou que, em novembro de 2011, J.S.S (nome fictício) foi condenado a quatro anos no regime semiaberto por roubo, mas, desde então, ele cumpre a pena no fechado. “Falta oito meses para o cumprimento integral da pena e ele nem teve acesso ao semiaberto, que o juiz já tinha concedido. Pedi indulto e progressão para o regime aberto, que ele já tem direito há muito tempo, pois, como não é crime hediondo, só precisaria ter cumprido um sexto da pena. Vamos ver qual dos dois será concedido.” Completa.

Danilo Caetano participou, em novembro de 2014, de um mutirão carcerário no Paraná e apontou que a situação em Pernambuco é mais grave. “Aqui a violação dos direitos humanos é bem pior. No Paraná tem harmonização do regime: se o preso pode ir para o semiaberto e o estado não tem colônia agrícola ou industrial, ele vai direto para o aberto”, afirmou.

Falta assistência médica

A Defensora Pública federal Natália Alem alertou para o caso de um preso que está com problemas graves de saúde, com perda dos movimentos em parte do corpo. Segundo ela, também não há condenação e a ausência do atendimento médico adequado no complexo pode beneficiá-lo com prisão domiciliar.

T.G.P foi preso em flagrante por assalto no início de 2014 no interior do estado. Após três meses, começou a responder o processo em liberdade.  Em dezembro de 2014, foi flagrado por furto no Recife e levado ao Curado. O jovem relatou à Defensora que, em janeiro deste ano, teve uma crise que paralisou a metade esquerda do corpo. Alguns exames foram feitos em um hospital, mas sem laudo conclusivo.

“Ele retornou para a unidade, que não tem cadeira de rodas e está há dois meses dentro da cela, no chão. Ele se matriculou na escola da unidade, mas não pode frequentar as aulas. Ele acabou de chegar, não tem sentença nem investigação, sabe-se lá quanto tempo vai ficar preso. Como a unidade não oferece condições dignas e ele está em uma situação de vulnerabilidade física e psicológica grande, vamos pedir prisão domiciliar. Foi algo que me tocou e você começa pensar que há casos extremos e a gente precisa ter um pouco de humanidade.”, comentou Natália.

A Defensora Pública do Rio de Janeiro Mariana Lins e Silva reforça a denúncia sobre a falta de estrutura para atender dependentes químicos. “Não há hospital especializado ou tratamento algum para o dependente. Eu vi uma área lá em que eles são jogados, uma omissão absoluta”, revelou.

Ela atendeu um presidiário traqueostomizado que não tem o conjunto da cânula trocado com frequência, como é recomendado, e não tem nem previsão de realizar a cirurgia que pode recuperar a voz dele: “Você percebe que as assistentes, as enfermeiras, os agentes penitenciários, enfim, todos tentam interceder pelos pacientes, mas os órgãos de saúde é que têm que tomar uma providência”, reclamou.

A Defensora Pública Mariana Granja integra o Conselho Penitenciário de Pernambuco e informou que há 246 Defensores atuando no estado. Desde janeiro, 11 deles trabalham dentro das unidades prisionais e um no registro civil. Desses, quatro estão no Complexo do Curado, inclusive ela própria, o que gera, grosso modo, a razão de um defensor atendendo 1.750 detentos.

A Associação Nacional de Defensores Públicos recomenda um Defensor para 300 presos.  “Queremos trabalhar com um Defensor para mil presos. Não é ideal, mas é um bom começo. Está em andamento um concurso com 20 vagas. Caso o governo abra mais 30 cargos, todos esses vão atuar na execução penal”, conclui Mariana.

Granja explicou que este mutirão é o primeiro no qual os presos estão sendo atendidos pessoalmente pelos Defensores. “É diferente porque a gente consegue fazer uma troca: eles têm dúvidas e nós levamos a informação. Além disso, a gente analisa aspectos de saúde, família, etc. E o Estado está dando condições para o nosso trabalho – reforçaram segurança e entregaram a pasta carcerária e histórico da vida do preso”, disse.

A Defensora ainda destacou que solicitaram ao Judiciário presteza e celeridade em relação às petições e habeas corpus resultantes do mutirão.

Ela mesma fez uma petição para livramento condicional e comutação de pena para o caso de D.R(nome fictício), que foi transferido para o Complexo do Curado em 2004, quando desde 2002 ele poderia estar cumprindo pena no regime semiaberto. “Apenas em 2015 o histórico dele foi atualizado e, agora, a Defensoria está fazendo a petição. Isso ilustra que temos que ter mais cuidado quando estamos lidando com a vida de pessoas”, enfatizou Mariana.

Por Luna Markman

Fonte: G1 PE

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