A Capacidade Postulatória dos Defensores Públicos

Por Wagner Giron de la Torre

Por Wagner Giron de la Torre

1 Breves considerações sobre as condições socioeconômicas que demarcam a necessidade do efetivo enfrentamento da ingente demanda social por justiça.

2 A Capacidade Postulatória Independente dos Defensores Públicos

3 A necessidade de afirmação da independência funcional e política das Defensorias Públicas.

4 Conclusões. 

“Para o pobre, os lugares são mais longe”.

Guimarães Rosa

 

I A demanda social por Justiça.

A adequada compreensão do fenômeno social atreito à histórica exclusão da vasta maioria da população do sistema de justiça no País, só é possível de ser alcançada com a conscientização de como o conceito de cidadania, para essa mesma maioria populacional, excluída dos mecanismos de efetivação de seus direitos, foi rudimentarmente construído ao longo do tempo, a ponto de até hoje cidadania representar uma palavra vã, sem qualquer significado, para a grande massa de pessoas pobres que habitam esta pátria.

Só assim, com a necessária demarcação das dificuldades que a sociedade brasileira tem enfrentado para desenvolver um efetivo projeto de nação, que abarque a realização dos direitos fundamentais de todos – e não apenas de parca parcela de sua população – se é possível criar as condições básicas para o efetivo enfrentamento da tormentosa exclusão jurídica até hoje, nos albores do século XXI, tão cotidiana entre nós.

Até mesmo o uso da palavra cidadania foi arrancada a fórceps em meio aos conflitos sociais que delinearam os estamentos de poder no país, e seu significado e benesses sempre foram endereçados à elite dominante, tal qual o reconhecimento explícito, exposto desde a primeira constituição do “Brasil livre”, rememorado por CAIO PRADO JR ao nos contar sobre o resultado das discussões encetadas na Assembleia Constituinte de 1823, onde, do conceito de cidadãos,  foram solenemente excluídos “os criados de servir, os jornaleiros, os caixeiros das casas comerciais, enfim qualquer cidadão com rendimentos líquidos anuais inferiores ao valor de 150 alqueires de farinha de mandioca. Numa palavra, toda a população trabalhadora do país”[1], naturalmente incluindo os escravos nessa horda de sem-direitos.

Logo mais, veio a abolição, que para Florestam Fernandes “representou mais uma espoliação que os negros sofreram e não a sua conquista da cidadania”[2], e tudo desenhado por uma elite tão atrasada e ignota, que fomos a última nação no ocidente a banir esse sistema de expropriação da força de trabalho medrado da coisificação do ser humano. Mas, o que esperar de uma elite que  introduziu no país o uso de instrumentos rudimentares como o arado, só a partir do último quartel do século XIX[3].

Todo o estamento social, no Brasil, foi concebido para excluir. O regozijo sobre as benesses sociais só para os de cima. Não à-toa que 80% da população não tem acesso aos mecanismos distribuidores de justiça, pois, nos ensina Raymundo Faoro, em seu obrigatório “Os Donos do Poder”,  “na peculiaridade histórica brasileira a camada dirigente atua em nome próprio, servida dos instrumentos políticos derivados de sua posse do aparelhamento estatal”.[4]

No que diz respeito aos reflexos que esses desarranjos sociais produzem no campo do acesso à justiça, podemos divisar que até hoje, Estados como Santa Catarina, Goiás, Paraná não contam com uma Defensoria Pública efetivamente estruturada, e nos demais Estados, ressalvando Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Bahia, a estrutura dessas instituições públicas voltadas constitucionalmente à defesa e orientação jurídica das comunidades pobres[5], deixa muito a desejar. Não sem razão, posto que às Defensorias Públicas são destinados menos do que 1% do que se investe, no país, no sistema de justiça (incluindo o Poder Judiciário e Ministérios Públicos)[6]

Daí ser impossível falar-se em universalização do acesso à justiça sem enfrentarmos a instante necessidade de fortalecermos as Defensorias Públicas, reconhecendo-as como instituições autônomas, tal qual o formato constitucional insculpido no artigo 134 da Carta Política do país, tema que abordaremos com mais vagar em tópicos futuros.

Da conjunção, aliás,  dos artigos 5º, LXXIV e  134 da Constituição Federal se percebe que o modelo de prestação de assistência jurídica aos hipossuficientes, mercê do plano do legislador constituinte, é o público, que deveria ser efetivado através de instituição específica, nominada pela própria Carta Política como Defensoria Pública.

Em que pese a clareza meridional desses preceitos, dificilmente vamos divisar na história das instituições pátrias um ente tão aviltado, perseguido e contestado como as Defensorias Públicas, talvez, como indica o contexto histórico aqui exortado, porque voltado à defesa dos pobres.

Afinal, se a luta histórica pela emancipação concreta do povo, no país, é assim tão impregnada de óbices, por que não o seria em relação às instituições destinadas a efetivar-lhes os direitos fundamentais?

Como vimos, em grande parte do país a Defensoria Pública precisa ainda ser iventada.

Em São Paulo, por exemplo, foi ela implantada, com 18 anos de atraso e após intensa mobilização social[7], através da Lei Complementar Estadual nº 988, de 09 de janeiro de 2006 que, dentre outras coisas, instituiu sistema próprio de fiscalização funcional e correição de seus integrantes, regime disciplinar esse reforçado pela Lei Orgânica Federal, Lei Complementar nº 80/94.

De seu nascimento, derivou a opção constitucional de 87 Procuradores do Estado que, pelo compromisso com a liça de sustentação de mecanismo de acesso à justiça aos pobres, optaram pela nova carreira, com perda remuneratória de 30% dos vencimentos que percebiam no âmbito da Procuradoria de Assistência Judiciária, donde provieram mediante concurso público de provas e títulos.

Os valores informadores da opção constitucional daqueles ex-Procuradores do Estado, foi bem explicitado no bojo da ADI nº 3720/SP[8], pelo voto do eminente Ministro CARLOS BRITTO, quando sublinhou “(…)Quem optou pela Defensoria Pública não o fez para tirar vantagem, tirar partido; não houve aumento de vencimento, o status funcional permaneceu. A opção se fez vocacionalmente, porque é sabido que a Defensoria é uma atividade que se opõe como ponto de convergência entre um direito individual de acesso desembaraçado, facilitado ao Poder Judiciário, e de um direito social. (…) Demonstrou-se que a opção que se fez pela Defensoria foi vocacional, porque própria de pessoas que fazem do Direito mais do que um meio de vida, talvez a mais bela razão de viver”.

A não bastar esses vieses, sobreveio uma nova ADI patrocinada pelo CONAMP – Associação Nacional dos Promotores de Justiça, visando – note-se bem – a declaração de inconstitucionalidade do dispositivo normativo que outorga às Defensorias Públicas a legitimação para manejo de ações metaindividuais[9], objetivando legar às comunidades pobres apenas os mecanismos tradicionais, de cunho individual, como instrumentos de luta por seus direitos fundamentais.

Mais um esforço para reduzir os mecanismos de emancipação da população necessitada ao limitado âmbito de litígios individualizados, pulverizados por um sistema que, como vimos, não foi concebido para albergar a totalidade da população.

Nessa nova ADI, o CONAMP se “esquece” de discutir a legitimação de outros entes co-legitimados ao manejo das ações coletivas, como, exemplo, os Estados, os Municípios, as Associações, etc..

Seu centro de atenção limita-se a criar obstáculos novos, apenas, ao caminho das Defensorias Públicas, num esforço corporativo de reserva de mercado.

Agora, o mais novo golpe persecutório a gerar estorvos na prestação de serviço público que, pela Constituição Federal (art. 134), deveria ser tido como essencial à função jurisdicional do Estado, mas que, como já se é possível distinguir,  é cingido de ataques das mais variadas matizes.

Em fevereiro de 2011, o presidente da OAB, seção paulista, encaminhou à Defensora Pública-Geral do Estado de São Paulo o ofício nº “GP 313/11”, exigindo à instituição pública, autônoma e independente, “que imediatamente afastasse cerca de 72 Defensores Públicos, desvinculados com a OAB/SP” bem assim pleiteou, em tom invasivo, suas “exonerações” por “ausência de capacidade postulatória”, ofertando a listagem desses ditos defensores públicos estaduais.

Do ofício subscrito pelo gestor da Ordem, consta que além de veicular fato tão infundado à Defensora Pública-Geral, o mesmo pugnou ao gestor máximo do Ministério Público Paulista, a instauração de persecução penal contra os 72 Defensores Públicos listados, por pressuposta prática de “delito de exercício ilegal de profissão”.

Essas postulações desabridas tiveram seu conteúdo difamatório exponenciado por ações diretas do presidente da seção paulista da Ordem que, não satisfeito em expor suas aleivosias à autoridades cingidas ao sistema de distribuição de justiça, as divulgou em matérias e reportagens em veículos de mídia impressos, bem como difundiu suas injustas imprecações no portal da própria OAB/SP, comunicando o triste evento a todos os causídicos do Estado e do país, num ato desesperado de cultuar sua própria imagem, ampliando, de maneira imensurável, o potencial ofensivo de suas acusações.[10]

As ações tendentes a criminalizar o exercício livre, independente, dos Defensores Públicos Paulistas ecoou no Conselho Federal em Brasília, a ponto de em 01 de agosto de 2011, a Ordem dos Advogados do Brasil ter ajuizado a ADI nº 4636, visando acessar a declaração de insconstitucionalidade de dispositivos federais concebidos justamente para reforçar a independência funcional da Defensoria Pública, e alavancar, em território nacional, a ampliação de seus quadros para quem sabe, um dia, o acesso à justiça ressumar universalizado no país e a cidadania transpor o histórico semblante de palavra vã.

Um dos preceptivos contra os quais a OAB se insurge – para os limites deste escrito – é o parágrafo 6º do artigo 4º da Lei Complementar Federal nº 80/94, que outorga capacidade postulatória independente aos Defensores Públicos, à semelhança do que ocorre no âmbito do Ministério Público.

Nessa ADI, em momento algum a OAB rememora, aos excelsos integrantes do Supremo Tribunal Federal, para quem dirige suas imprecações, os dispositivos constitucionais que guarnecem as Defensorias Públicas Estaduais com autonomia administrativa e independência política.

Eles não mencionam que, afora São Paulo, os Defensores Públicos do Rio de Janeiro  também são, em sua larga maioria, desvinculados, há décadas, da Ordem, assim como a metade dos Defensores Públicos de Minas Gerais já atuam em completa independência de quaisquer ingerências externas.

Também sonegam o fato de que, através de um convênio amplamente inconstitucional[11] translada-se cerca de R$ 300 milhões por ano em recursos públicos para adimplir a cerca de 48 mil advogados particulares, cingidos a esse absurdo convênio, em mecanismo de queima de dinheiro público que carece de controle social minimamente adequado.

Como sonegaram essas candentes questões, cumpre a nós, neste singelo escrito, abordá-las.

 

II Da capacidade postulatória dos defensores públicos:

 

Tanto o presidente da OAB/SP, ao subscrever o infeliz ofício sob comento, assim como a OAB federal em sua ADI atentatória à independência funcional das Defensorias Públicas, expõem o equivocado entendimento de que a inscrição nos quadros da Ordem dos Advogados é condição essencial para exercício das atribuições da Defensoria Pública, se apegando, em demasia, aos preceptivos dos artigos 97, I, da Lei Complementar Estadual n. 988/06 e ao artigo 26, caput, da Lei Complementar Federal nº 80/94, em sua redação de origem, ignorando todo o arcabouço normativo, traçado pelo ordenamento jurídico, que rege as funções institucionais do Defensor Público.[12]

Os dispositivos, suso mencionados, regiam uma simples condição para a posse ao cargo de Defensor Público, não para seu exercício.

Ocorre que – como acentuado alhures – adveio novo regramento para desempenho institucional dos Defensores Públicos em todo o país, em especial, aos Defensores Públicos Estaduais, difundido pelo artigo 4º, § 6º, da Lei Complementar Federal nº 80/94, com redação introduzida pela Lei Complementar Federal nº 132, de 07 de setembro de 2009, que expressamente passou a enunciar o seguinte regime funcional imanente ao cargo de Defensor Público:

“§6º A capacidade postulatória do Defensor Público decorre exclusivamente de sua nomeação e posse no cargo público”.

Tal dispositivo federal é expresso e claro em assentar que a capacidade postulatória do Defensor Público deriva tão-só da  investidura no cargo público de Defensor.

Note-se, ademais, que pelos termos hialinos do artigo 134, § 1º, da Constituição Federal c.c. artigo 2º da mencionada Lei Complementar Federal nº 80/94, este último diploma prescreve normas gerais para regência das Defensorias Públicas dos Estados.

Ainda que se entenda que a competência para legislar sobre o tema Defensoria Públicaseja concorrente entre a União e Estados,  o artigo 24, § 4º, da Carta Política do país é claro ao enunciar: “§ 4º a superveniência de lei federal sobre normas gerais, suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário”.

Destarte, é fora de dúvida que com o advento do novo regime atreito ao desempenho funcional das Defensorias Públicas, instituído pela Lei Complementar Federal nº 132/2009, que deu redação nova a inúmeros dispositivos encontrados na Lei Complementar Federal nº 80/94, a eficácia dos artigo 97, I, da Lei Complementar Estadual nº 988/06 ressumou suspensa e a do artigo 26, caput, da própria Lei Complementar nº 80/94 restou derrogada[13] por influxo do advento da nova normatização.

 

Consigne-se, que esse entendimento é totalmente corroborado no âmbito interno da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, conforme desponta da Deliberação nº 196, de 24.09.2010, produzida por seu Conselho Superior, que, dando nova redação à precedente deliberação nº 10/2006, assentou que a capacidade postulatória dos Defensores Públicos Paulistas decorre tão somente da investidura ao cargo público, sendo a inscrição na Ordem necessária, apenas, para a posse ao cargo.

Assim como o artigo 3º, §1º da Lei n. 8.906/94 restou derrogado, posto que, para os Defensores Públicos, devidamente investidos no cargo público, a capacidade postulatória passou a ser independente da inscrição nos quadros da ordem.

Esse entendimento é corroborado por recente parecer subscrito pelo professor CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO que, respondendo consulta formulada pela Associação dos Defensores Públicos de São Paulo, assim averbou:

 

“(…) 4 Vindo-se a aplicar os critérios mencionados, de duas uma: ou se considera que a lei ordinária lei nº 8.906, de 04 de julho de 1994, isto é, o Estatuto da Ordem dos  Advogados do Brasil é norma da mesma hierarquia da Lei Complementar nº 80 de 12.01.94, com redação atualizada que lhe confere a Lei Complementar 132, de 07.10.2009, ou se considera que esta última é lei de hierarquia superior.

“Ao entender-se que são uma e outra leis de equivalente hierarquia, o critério para solver o conflito é pois, o da sucessividade; ou seja: prevalece a norma posterior. Neste caso, a disposição segundo a qual ‘a capacidade postulatória do Defensor Público decorre exclusivamente de sua nomeação e posse no cargo público’ evidentemente prepondera sobre a norma que estatui que a atividade de advocacia no território brasileiro e a denominação de advogado são privativos dos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil.

“A entender-se, de outra sorte, ou seja, que não são normas de igual hierarquia, mas que, como sustentam muitos, as leis complementares são superiores às leis ordinárias, novamente solver-se-á o conflito com a prevalência da lei reguladora do exercício de cargo de Defensor Público sobre o Estatuto da OAB. Ou seja: nem em uma, nem em outra hipótese considerar-se-á obrigatório que o Defensor Público esteja presentemente inscrito na OAB para exercer sua capacidade postulatória.

“Em suma: nenhum dos critérios de interpretação mencionados concorrem em prol da norma residente na lei nº 8.906, de 04 de julho de 1994, mas ambos abicam na conclusão oposta.

“5 De toda sorte, o tema pode ser ainda abordado com socorro em outro critério de reconhecimento e solução de conflitos normativos. A saber: o direito positivo pode criar espécies normativas distintas, outorgando a elas campos de incidência próprios, caso em que haver-se-á de indagar como solver uma contradição entre tais regras jurídicas quando em pauta o confronto entre espécies diversas consideradas paralelas, ou seja: não hierarquizadas. Este seria justamente o caso das leis complementares em confronto com leis ordinárias, para aqueles que não vêm entre elas uma hierarquia natural, mas simplesmente, um campo de incidência diverso. Ainda aqui, contudo, a solução no caso vertente, persistiria sendo aquela que foi apontada.

“Deveras, como foi inicialmente visto, a Constituição do País, que é Lei Suprema, estabeleceu no § 1º do art. 134, que lei complementar nacional disporá sobre normas gerais de sua organização (das Defensorias Públicas) nos Estados, e o § 2º dispôs que as Defensorias Estaduais gozariam de autonomia funcional e administrativa. Dessarte, o que diz respeito a tais órgãos públicos fica, ‘ex vi constitutionis’, sob a égide de lei complementar. Donde, a partir do instante que lei complementar (Lei Complementar nº 132, de 07.10.2009) estabeleceu que ‘a capacidade postulatória do Defensor Público decorre exclusivamente de sua nomeação e posse no cargo público’, nunca poderia prevalecer disposição contrária proveniente de lei ordinária.

“Eis, pois, que não há critério interpretativo algum que milite em desfavor do reconhecimento de que a sobredita capacidade postulatória prescinde da presente vinculação à OAB.

“6 Pode-se finalmente abordar a questão por um último ângulo. A saber: a disciplina dos Defensores Públicos federais – residente na mesma Lei Complementar 132 que expediu também as normas gerais para a disciplina de quaisquer Defensorias – dispõem em seu art. 26 e no art. 71 que ‘ o candidato, no momento da inscrição, deve possuir registro na Ordem dos Advogados do Brasil, ressalvada a situação dos proibidos de obtê-la, e comprovar, no mínimo, dois anos de prática forense’. De seu turno a Lei Complementar estadual de São Paulo, nº 988, de 09 de janeiro de 2006, que ‘organiza a Defensoria Pública do Estado e institui o regime jurídico da carreira de Defensor Público do Estado”, estabelece em seu artigo 97: ‘são requisitos para a posse:I inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil”. Assim, ambos os diplomas reputam necessário para aceder ao cargo de Defensor Público que o interessado possua aptidão profissional de advogado, ou seja, a habilitação para tanto, que é conferida a partir da inscrição no álbum profissional.

“Sem embargo, como reiteradamente foi dito, a teor do §6º do art. 4º da Lei Complementar 132, de 07.10.2009, que estabeleceu normas gerais das defensorias públicas: ‘A capacidade postulatória do Defensor Público decorre exclusivamente de sua nomeação e posse no cargo público’.

“Não se pode considerar existente contradição entre os artigos em apreço.

“Com efeito, não é critério aceitável de hermenêutica presumir que um artigo desmente o contido em outro no mesmo texto. Assim, a intelecção correta é a de que ambos estão reportados a coisas diversas. Ou seja: um deles, o que demanda inscrição na OAB, está volvido a um requisito de capacitação profissional, aptidão técnica, a ser demonstrada no instante da admissão, feito o que, está cumprido o necessário.

“O segundo deles, confere capacidade postulatória e a faz depender tão só, ou seja, ‘exclusivamente’, como ali está dito, à nomeação e posse no cargo. Donde, para atuar em juízo (ou extrajudicialmente) na defesa dos interesses a seu cargo, o Defensor Público nada mais necessita senão estar investido nas funções que lhe correspondem. Ou seja: não necessita permanecer inscrito na OAB.” (parecer acostado, datado de 08.07.2011).

 

 

Destarte, o que os artigos 97, I, da Lei Complementar Estadual nº 988/06 e artigo 26, caput, da Lei Complementar Federal nº 80/94 – supedâneos dos arrazoados da OAB – exigem é a inscrição na Ordem para posse, apenas, ao cargo, requisito amplamente atendido por todos os Defensores Públicos em atividade no país.

A propósito, corroborando estas induções, a 2ª Câmara do E. Tribunal de Justiça, em acórdão da lavra do eminente Des. FABIO TABOSA, por unanimidade, no julgamento da apelação cível nº 0016223-20.2009.8.26.0032, chamada a se confrontar com o tema, em data recente, assim pontificou:

 

“Processual. Defensoria Pública. Capacidade postulatória. Defensor desligado da OAB/SP. Irrelevância. Lei Complementar n° 132/2009. Suficiência da nomeação e posse no cargo público correspondente. Preliminar dos apelados rejeitada.

(…) Por fim, argüiram os apelados nulidade no tocante à capacidade postulatória do Curador Especial, que teria cancelado seu registro na Ordem dos Advogados do Brasil em 27 de agosto de 2010 (data anterior à interposição da apelação), requerendo em face disso a anulação (sic) da peça recursal (fls. 161). É o relatório. Apreciada preliminarmente a nulidade suscitada pelos apelados posteriormente às contra-razões, não lhes assiste razão. Conforme recentemente noticiado pela imprensa, é fato que diversos Defensores Públicos do Estado de São Paulo solicitaram seu desligamento da Ordem dos Advogados do Brasil com fundamento na Lei Complementar n° 132/2009 (que alterou a Lei Complementar n° 80/1994). Com efeito, a última passou a prever, acrescentando dentre outras coisas os §§ 6º e 9º ao art. 4º da primeira, que “a capacidade postulatória do Defensor Público decorre exclusivamente de sua nomeação e posse no cargo público” e que “o exercício do cargo de Defensor Público é comprovado mediante apresentação de carteira funcional expedida pela respectiva Defensoria Pública, conforme modelo previsto nesta Lei Complementar, a qual valerá como documento de identidade e terá fé pública em todo o território nacional. Sendo assim, a inscrição dos Defensores Públicos na Ordem dos Advogados do Brasil não é mais condição para sua atuação em juízo, ficando superadas com isso as previsões dos arts. 3º, § 1º, e 4º, caput, do EOAB (Lei n° 8.906/94), o que aliás é perfeitamente compatível com a distinção entre as atividades e com as atribuições naturais do cargo de Defensor Público, cuja investidura pressupõe de resto a qualificação de bacharel em Direito e verificação da aptidão pessoal em concurso público específico. De se recordar, em adendo, que os arts. 133 e 134 da Constituição da República prevêem em paralelo a Advocacia e a Defensoria Pública como instituições essenciais à Justiça, não atrelando o exercício da segunda à habilitação para o exercício da primeira.” ( julgado de 03.05.2011 – grifos nossos)

 

Na mesma linha decidiu o juízo de primeira instância da Comarca de Registro-SP, consignando que: “(…) Logo, em razão da superveniência da aludida Lei Complementar nº 132/09, todo e qualquer Defensor Público Estadual não mais necessita integrar os quadros da Ordem dos Advogados do Brasil para validamente postular em juízo.” (Referência: ofício 98/11 (OAB). Decisão de 27 de abril de 2011).

 

Dando concretude a tal entendimento podemos indicar os seguintes julgados: Processo nº 4321/09, Execução de Alimentos da 2ª Vara de Família e Sucessões da Comarca de S. José do Rio Preto, Juiz Antonio Carlos Tafari, data de 26.05.11; Proc. nº 1959/10, da 2ª Vara de Família e Sucessões da comarca de Araçatuba, Juiz José Daniel Denis Gonçalves, data de 17.01.11; Proc. nº 1959/10, da 2ª Vara de Família e Sucessões da comarca de Araçatuba, Juiz Albino Ferragini, data 13.01.2011; proc. nº 3423/09 da Vara da Fazenda Pública da comarca de Sorocaba, datada de maio de 2011, etc.

É incontroverso que o artigo 4º, § 6º da Lei Complementar federal nº 80/94, com redação introduzida pela Lei Complementar Federal nº 132/09 está em vigor, tanto assim que a própria Ordem dos Advogados do Brasil ajuizou, contra tal dispositivo, Ação Direta de Inconstitucionalidade.

Referido dispositivo traduz-se em norma de eficácia plena, cuja validade é recoberta com presunção de constitucionalidade.

A sede correta e apropriada para o debate é o plenário do STF, e não em ações de virulenta criminalização ao exercício livre e regular das funções da Defensoria Pública, como os gestores da OAB/SP  perpetraram de maneira amplamente desarrazoada.

De outro ângulo, o artigo 3º, § 1º da Lei nº 8.906/94, que alberga os Defensores Públicos nos quadros de inscritos na OAB se afeiçoa patentemente inconstitucional, não só por vícios de forma como por defeitos materiais.

O artigo 61, § 1º, alínea “d” da Constituição da República, é claríssimo ao enunciar que são da competência privativa do Presidente da República as leis que tracem a organização do Ministério Público e Defensoria Pública da União, bem como instituam normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos  Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.

Esse regramento institucional só é eficaz via leis complementares.[14]

O artigo 69 da carta política diz: “As leis complementares serão aprovadas por maioria absoluta”.

Nesse diapasão, é fora de dúvida que por ter sido proposta pela própria Ordem – e não pelo Presidente da República – a Lei nº  8.906/94 -, em seu artigo 3º, § 1º, que vincula os Defensores Públicos aos quadros da Ordem  se apresenta inconstitucional, até porquê como lei ordinária que é, teve aprovação por maioria simples, e não absoluta como exigem os artigos 61 e 69 da Carta Fundamental do país.

Essa franca inconstitucionalidade já foi, inclusive, reconhecida pela via difusa pelo juiz da 3ª Vara Federal da Seção Judiciária do Espírito Santo nos autos de Embargos à Execução nº  2010.50.01.008477-1, onde figuraram como embargante Vinicius Chaves de Araújo e embargado OAB/ES, pronunciando este sóbrio entendimento sobre o tema:

 

“(…)A Constituição Federal de 1988 impõe em seu artigo 134, § 1º, que a organização da Defensoria Pública será regulamentada por Lei Complementar. Veja-se: Lei Complementar organizará a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios e prescreverá normas gerais para sua organização nos Estados, em cargos de carreira, providos, na classe inicial, mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a seus integrantes a garantia da inamovibilidade e vedado o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais. A Lei Complementar nº 132, de 7 de outubro de 2009, regulamenta a referida matéria, visto que altera dispositivos da Lei Complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994, que organiza a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios e prescreve normas gerais para sua organização nos Estados. (…) O artigo 4º, § 6º da Lei Complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994, passou a vigorar, então, com a seguinte redação, dada pela Lei Complementar nº 132/2009: ‘A capacidade postulatória do Defensor decorre exclusivamente de sua nomeação e posse no cargo público’.

“Vê-se, portanto, um conflito aparente de normas, já que a atividade do defensor público é a advocacia. No entanto, conforme já tratado anteriormente, a Constituição Federal prevê que a organização da Defensoria Pública nos Estados é matéria reservada a lei complementar, de modo que não compete à Lei ordinária, tal qual o Estatuto da Advocacia e da OAB (lei nº 8.906/94) dispor sobre tal assunto. Tal hipótese configura-se inconstitucionalidade formal. A inconstitucionalidade formal se dá quando a produção de determinada norma não atende às formas de tramitação (relativo aos ritos/procedimentos) e competência (relativos aos sujeitos)previstas na constituição, ou seja, é quando não segue o protocolo descrito em nossa Carta Magna.

“O caso sob exame revela que a exigência de manutenção da inscrição de defensor perante a OAB, quando não é tal ente que fiscaliza o exercício da atividade pública, mas o próprio Estado, não se mostra consoante com o que estabeleceu a LC 132/2009.

“Diante disso, pela via de exceção, valho-me do poder de controle difuso de constitucionalidade derivado do artigo 97 da CF, e declaro incidentalmente a inconstitucionalidade do art. 3º, §1º do Estatuto da Advocacia e da OAB no que tange à Defensoria Pública.

“(…)Conclui-se, então, que a norma atinente ao caso é a disposta no parágrafo 6º do artigo 4º, da Lei Complementar federal nº 132/2009, que deu nova redação à Lei Complementar Federal nº 80/94. Desse modo, a capacidade postulatória do Defensor Público decorre exclusivamente de sua nomeação e posse no cargo público.

“(…)Faculta-se, pois, ao Defensor Público requerer junto à Seção da OAB à qual é vinculado o cancelamento ou a suspensão de sua inscrição, não podendo tal Conselho Profissional negar tal pleito.

“Prossigo. Por outro lado, é certo que os Defensores Públicos estão impedidos de exercer a advocacia privada fora das atribuições institucionais, conforme comanda o art. 134, § 1º da Constituição Federal, diferente dos Procuradores Estaduais e Municipais que podem exercer a advocacia excluindo-se somente a possibilidade de advogar contra o ente que lhe contrata.

“Assim sendo, temos duas situações distintas, desiguais e se for admitida como válida a obrigação dos defensores públicos contribuírem obrigatoriamente com a OAB haverá desrespeito ao princípio da isonomia material, vez que uns podem advogar (os Procuradores) e outros são impedidos (Defensores e demais autoridades e servidores impedidos  de advogar). Por este prisma, também entendo por inconstitucional o dispositivo que obriga a manutenção da inscrição dos Defensores nos quadros da OAB com a regular contribuição de anuidade nos termos do art. 3º§1º da Lei nº 8.906/94. E mais: a exigência de inscrição na Ordem para a participação no concurso somente tem de ser vista sob o enfoque da capacidade técnica, já que os exames de ordem têm sido o divisor entre o bacharelado e o exercício da advocacia.”

 

III Da Independência Administrativa e Política das Defensorias Públicas:

Não há como se confundir, ademais, as funções institucionais da Defensoria Pública com o exercício da advocacia privada.

A advocacia limita-se a obrigar, eticamente, o profissional a velar pelos direitos e interesses de seus constituintes (art. 2º, § 2º da Lei n. 8.906/94).

Na Defensoria Pública, o âmbito de atuação tem espectro mais elástico, já que, nos precisos termos do artigo 134 da Constituição da República, a Defensoria Pública “é instituição essencial à função jurisdicional do Estado”, que ostenta autonomia funcional e administrativa (§ 2º, art. 134, CF), tida, pela lei, “como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrejudicialmente, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados” (art. 1º da Lei Complementar Federal nº 80/94).

Aos Defensores Públicos,  é vedado o exercício da advocacia privada (artigos 134 da Constituição Federal, § 1º), de sorte que a investidura ao cargo de Defensor Público aflora claramente incompatível com a advocacia, tal como ressaltado pelo art. 11, IV, da Lei Federal n. 8.906/94.

Note-se, portanto, que a atuação da Defensoria Pública decorre da Lei e da Constituição, com escopos institucionais próprios, imanentes à própria essência do Estado Democrático e Social de Direito.

Em artigo intitulado “DEFENSOR PÚBLICO É DEFENSOR PÚBLICO”, de autoria de CARLOS ADUARDO RIOS DO AMARAL, colhido na web em 21.3.2011, o autor ressalta que:

“O Título IV de nossa vigente Constituição Federal de 1988 é dedicado à organização dos poderes da República. Tal Título é dividido em quatro Capítulos: capítulo I – Do Poder Legislativo, Capítulo II – Do Poder Executivo, Capítulo III – Do Poder Judiciário e Capítulo IV – Das Funções essenciais à Justiça.

“O Capítulo IV, dedicado às funções essenciais à Justiça, por sua vez, subdivide-se em três Seções: Seção I – Do Ministério Público, Seção II – Da Advocacia Pública e Seção III – Da Advocacia e da Defensoria Pública.

“(…)A Advocacia Pública, consoante vontade do legislador constituinte, compõem-se da Advocacia-Geral da União, também integrada pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, a nível federal (art. 131 e § 3º). Ao nível dos Estados e do Distrito Federal compõem a Advocacia Pública os ‘Procuradores dos Estados e do Distrito Federal’, organizados em carreira…

“Destarte, ‘Advocacia Pública’ é unicamente o que essa Seção II da Constituição Federal diz ser, nada mais, nada menos. A Defensoria Pública não se encontra nesta Seção, mas sim na Seção seguinte. A atividade da Advocacia Pública também é expressamente decifrada pela própria Carta  Constitucional: ‘atividades de consultoria e assessoramento jurídico no Poder Executivo’, ‘execução da dívida ativa de natureza tributária’ e ‘representação judicial e a consultoria das respectivas unidades federadas’ (Art. 131, §3º e Art. 132, caput, respectivamente).

“(…)A seção III, deste Título IV da Constituição Federal, recebe a rubrica ‘Da Advocacia e da Defensoria Pública’. Curiosamente o legislador constituinte originário tratou de duas Instituições distintas numa mesma seção, ao contrário do que fez com o Ministério Público e a Advocacia Pública. O emprego da conjunção aditiva “e” revela, por evidente, que a ‘advocacia’ não é ‘Defensoria Pública’, mas constituem-se ambas como duas outras funções essenciais à Justiça, assim como o Ministério Público e a Advocacia Pública. Pelo que, de acordo com nossa Constituição Federal de 1988, temos expressamente quatro funções essenciais à Justiça: O Ministério Público, a Advocacia Pública, a Advocacia e a Defensoria Pública”[15]

O artigo 134, § 2º da Carta Republicana é hialino ao assegurar autonomia funcional e administrativa às Defensorias Públicas Estaduais.

Como pontifica JOSÉ AFONSO DA SILVA “assim é que, por autonomia funcional se entende o exercício de suas funções livre de ingerências de qualquer outro órgão do estado. É predicativo institucional, tanto que se poderia falar – e às vezes se fala – em autonomia institucional, mas ela se comunica aos membros da instituição, porque suas atividades-fim se realizam por meio deles. Assim, eles compartilham dessa autonomia institucional, porque não tem que aceitar interferência de autoridades ou órgãos de outro Poder no exercício de suas funções”[16]. (“Comentário Contextual à Constituição”, 2ª Ed., S. Paulo, Malheiros, 2006, p.615).

Essa autonomia, inclusive, foi já ressaltada no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em aresto da lavra do Desembargador MARREY UINT, em decisão datada de 07.06.2011, no bojo dos embargos de declaração nº 9159687-45.2009.8.0000, em decisão unânime da 3ª Câmara de Direito Público da indicada Corte de Justiça, onde se pontuou:

“(…)A Defensoria Pública é considerada uma instituição imprescindível à legitimação do exercício democrático do poder jurisdicional. Com efeito, segundo o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM, nos Estados em que a Defensoria Pública encontra-se instalada e organizada, verifica-se um fortalecimento dos direitos sociais e das garantias fundamentais, além da melhoria da qualidade dos serviços de assistência jurídica gratuita. (…) A defensoria não pode, portanto, ser subordinada a alguma secretaria, ou submeter-se a ela mediante lei alguma. Estão em paridade funcional com os Juízes e membros do Ministério Público”.

Aliás, tal entendimento é corrente no seio da 3ª Câmara de Direito Público, como se infere do acórdão produzido na apelação cível nº 0011533-12.2009.8.26.0625, de autoria do digno Des. ANTONIO CARLOS MALHEIROS, em 01.03.2011.

Até mesmo a OEA – Organização dos Estados Americanos, em resolução datada de junho de 2011 (RESOLUÇÃO AG/RES n. 2656/11) recomenda a todos os Estados membros que contam com serviço oficial de assistência jurídica, que adotem ações tendentes a assegurar autonomia funcional e independência às Defensorias Públicas.

Ainda no âmbito da E. Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça de São Paulo, processo rotulado como 2010/137115, instaurado contra o Defensor Público Estadual FELIX ROBERTO DAMAS JUNIOR em meados do ano passado, consolidou-se o seguinte precedente sobre o tema:

“ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – Solicitação de alerta aos Magistrados de irregularidade na atuação de Defensor Público que solicitou baixa de sua inscrição nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil – Situação que o impediria de praticar atos processuais – Informação da Defensoria Pública de regularidade da situação do Defensor perante a instituição – Dúvida da interpretação dos arts. 97, I da Lei Complementar Estadual 988 de 09/01/2006, e do art. 4º, §6º da Lei Complementar Federal 80 de 12/01/1994, com redação que lhe deu a Lei Complementar Federal 132 de 07/10/2009 – Verificação e interpretação da situação e das normas que não incumbe à Corregedoria Geral da Justiça – Parecer pela rejeição do pedido”. (decisão de 20.01.2011, do Juiz Auxiliar da Corregedoria Cláudio Augusto Pedrassi devidamente acolhida pelo Corregedor-Geral Des. Antonio Carlos Munhoz Soares).

E, conquanto o STF ainda não tenha enfrentado o tema da capacidade postulatória autônoma, reconheceu em precedente oportunidade que: “(…)a vinculação da Defensoria Pública a qualquer outra estrutura do estado se revela inconstitucional, na medida em que impede o pleno exercício de suas funções institucionais, dentre as quais se inclui a possibilidade de, com vistas a garantir os direitos dos cidadãos, agir com liberdade contra o próprio Poder Público”. (ADI 3569).

Do desencadear dessa trilha normativa, se tem a clara conclusão de que o artigo 4º, § 6º da Lei Complementar Federal nº 80/94, com a redação introduzida pela Lei Complementar nº 132/09, ao outorgar capacidade postulatória independente aos Defensores Públicos só veio a reforçar o comando supremo, gravado no parágrafo 2º do art. 134 da Constituição Republicana, da autonomia administrativa e funcional às Defensorias Públicas, sendo absurdas e antijurídicas decisões contrárias a tal sistema normativo, até porquê, queira-se ou não os gestores da Ordem, esses preceptivos estão a viger, e só por isso irradiam irrefragável presunção  de constitucionalidade.

 

IV Conclusões:

 

Já foi averbado no tópico introdutório do presente escrito, as severas dificuldades enfrentadas pelos Defensores Públicos para verem estruturadas, de maneira integral, essa instituição, destinada, por normas constitucionais, a orientar e defender as comunidades pobres, dificuldades agravadas por ações de verdadeira ingerência externa, criminalização do exercício livre da função de Defensor Público, como perpetrada pela OAB/SP,  tentativas de redução da amplitude em suas atribuições ou mero desdém governamental com relação à formulação de mecanismos voltados à adequada gestão desses organismos.[17]

Mesmo com todo esse plexo normativo a angariar robustez ao sistema de independência funcional aos Defensores Públicos, temos, sim, divisado decisões judiciais, mais das vezes urdidas em órgãos jurisdicionais em que predominam magistrados içados na judicatura pela Ordem, através do quinto constitucional. Em vilipêndio a todo esse elenco normativo, têm eles primado pela realização dos interesses corporativos da Ordem, como a repetir os rarefeitos argumentos enviesados pela OAB federal em sua já apontada ADI, a reproduzir o mantra secular – hoje sem sentido – de que defensor público é advogado, por isso, deve se sujeitar aos mandos da Ordem. Ponto final.

Essa fórmula encontra-se ultrapassada. Ainda que não fossem pelos dispositivos exaustivamente alinhavados ao longo deste texto, que prescrevem independência funcional aos Defensores Públicos, temos como inconteste que há muitos anos a capacidade postulatória deixou de ser exclusividade de mercado aos afiliados à OAB.

Exemplo disso encontramos nos atos postulatórios cotidianamente exercidos pelos membros do Ministério Público ao ajuizarem variadas ações, como, exemplo, ações civis públicas; temos Delegados de Polícia postulando prisões preventivas; pessoas comuns vindicando demandas judiciais indiscutivelmente válidas perante os Juizados Especiais pelo país afora. Todos sem subordinação à OAB.

Não se percebe qualquer ingerência ou ação desabridamente repulsiva por parte da OAB a esse sistema postulatório tão variado e antigo, vigente no país, a denotar que os argumentos entoados no plano da ADI nº 4636 contra os aportes de independência funcional e administrativa das Defensorias Públicas não passam de ecos frágeis, meros estertores de um sistema tutelar-corporativo ultrapassado.

Não há como investir uma instituição, como expresso no artigo 1º da Lei Complementar Federal nº 80/94, do considerável encargo de efetivar os Direitos Humanos e servir de aporte ao Estado Social e Democrático de Direito, sem moldá-la com a necessária independência funcional, já que, vimos aqui, a história é pródiga em alinhavar exemplos veementes de que o próprio Estado (compreendido em sua ampla acepção) e as instituições estamentais de poder, são os maiores violadores desses direitos.

Sem independência funcional, pautada na capacidade postulatória derivada tão-só da investidura e exercício do cargo, impossível aos Defensores Públicos realizarem tais comandos.

A dificuldade que as velhas instituições ligadas ao sistema de justiça enfrentam para absorver o novo, as novas regras de aportes democráticos, são demarcadas pelas palavras pontuais de Raymundo Faoro como “a túnica rígida do passado inexaurível, pesado, sufocante”[18].

A construção, portanto, de uma sociedade justa, livre, igualitária, tal qual os escopos institucionais legados pela messe normativa às Defensorias Públicas,  só pode ser materializada, no âmbito do acesso à justiça, com o reconhecimento da independência funcional de seus integrantes, sem o quê, o sempiterno torpor da túnica rígida sempre impedirá a concretização daqueles imperativos.

 

 

  

 

WAGNER GIRON DE LA TORRE, é Defensor Público no Estado de São Paulo, atuando na Defensoria Regional de Taubaté. Ganhador, em 2010, da Comenda Dom Helder Câmara de Direitos Humanos, conferida pelo Senado Federal.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

 

 Amaral, Carlos Eduardo Rios. “Defensor Público é Defensor Público”, artigo colhido em 21.03.2011 do site WWW.marataizes. Com.br.

Cardoso, Luciana Zaffalon Leme. “Uma fenda na Justiça”. Editora Hucitec, São Paulo, 2010.

Faoro, Raymundo. “Os donos do Poder”. Ed. Globo, 3ª edição, S. Paulo, 2001.

Fernandes, Florestan. “O negro no mundo dos brancos”. Editora Global, S. Paulo, 2007.

Holanda, Sérgio Buarque. “Raízes do Brasil”, Companhia das Letras, S. Paulo, 1998.

Mello, Celso Antonio Bandeira de. Parecer inédito sobre a capacidade postulatória independente dos Defensores Públicos, junho de 2011.

Prado Jr, Caio. “Evolução Política do Brasil”. Ed. Brasiliense, S. Paulo 2008.

Silva, José Afonso. “Comentário Contextual à Constituição”, Ed. Malheiros, 2ª edição, S. Paulo, 2006.

PORTAIS, DOCUMENTOS E JORNAIS CONSULTADOS:

 

WWW.marataizes.com.br.

WWW.oabsp.org.br

Constituição Federal do Brasil.

Lei Complementar Federal nº 80/94

Lei Complementar Federal nº 132/09

Lei Complementar Estadual Paulista nº 988/2006.

Portal folha online de 08.08.2011

Portal do TJSP

Portal do STF

Jornal do Advogado, n. 360, abril/11.

 


[1] Prado Jr, Caio. “Evolução Política do Brasil”, Ed. Brasiliense, SP 2008, p. 56.

[2] Fernandes, Florestan. “O negro no mundo dos brancos”. Ed. Global, S. Paulo, 2007, p. 296.

[3] Holanda, Sérgio Buarque. “Raízes do Brasil”. Cia das Letras, SP 1998, p.52. Nessa obra, há o registro emblemático da história “dos fazendeiros norte-americanos oriundos dos estados confederados, que por volta de 1866 emigraram para o Brasil, e a cuja influência se tem atribuído, com ou sem razão, o desenvolvimento do emprego de arados, cultivadores, rodos e grades nas propriedades rurais paulistas”. Esses emigrantes, nos conta o eminente historiador, ficaram pasmos com o atraso das técnicas agrícolas então empregadas no Brasil e chegaram a declarar “que os escravos brasileiros plantam algodão exatamente como os índios norte-americanos plantam o milho” desde tempos pré-colombianos (p. 52).

[4] Faoro, Raymundo. “Os Donos do Poder”. Ed. Globo, 3ª edição, S. Paulo, 2001, p. 834.

[5] V. artigo 134 da CF.

[6] Cardoso, Luciana Zaffalon Leme. “Uma fenda na Justiça”. Ed. Hucitec, S. Paulo 2010, p. 61.

[7] O histórico da mobilização social pela criação da Defensoria Pública em São Paulo vem retratado na obra “Uma fenda na Justiça” de Luciana Zaffalon Leme Cardoso, Ed. Hucitec, S. Paulo, 2010, p. 51.

[8] A ADI 3720/SP foi intentada pelo Procurador Geral da República questionando a opção dos 87 procuradores do Estado pela nova carreira. Foi rechaçada, à unanimidade, pelo STF. Esse é um dos primeiros tormentos no caminho da DPE/SP.

[9] O Alvo da ADI do CONAMP é a lei nº 11.448, de 15.01.2007, que introduziu redação nova ao art. 5º da lei nº 7.347/85, emprestando legitimação às Defensorias Públicas para o manejo de ações transindividuais.

[10] Jornal do Advogado, editado pela OAB/SP, ano XXXVI, nº 360, abr/2011, p7., onde, de maneira inverídica, se alardeia que “OAB-SP denuncia e Defensoria Pública investiga defensores que cancelaram inscrição na Ordem”, ou site WWW.oabsp.org.br, acessado em 21.3.2011, veiculando informes semelhantes.

[11] Existe em trâmite no Supremo a ADI n. 4163, ajuizada pelo Procurador Geral da República visando a declaração de inconstitucionalidade do artigo 109 da Constituição Paulista e do artigo 234 e parágrafos da Lei Orgânica da Defensoria Pública de São Paulo, que obrigam, esta última, a manter convênio de prestação de assistência judiciária suplementar somente com a seção paulista da OAB.

[12] Tanto o Art. 97, I da Lei Comp. Estadual n. 988/06 como o caput do art. 26 da Lei Comp. Federal n. 80/94 entoam  ser necessária a inscrição nos quadros da OAB para inscrição no certame de ingresso e posse no cargo de Defensor Público.

[13] A corroborar tais induções, em 29.07.11, no proc. n. 50003634-15.2011.404.7200/SC, o Juiz Federal Gustavo Dias de Barcellos, da 1ª Vara da Justiça Federal de Florianópilis/SC, concedeu mandado de segurança coletivo, pugnado pela  Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais – ANADEF, para declarar  a inaplicabilidade do regime disciplinar estabelecido pela lei nº 8.906/94 aos Defensores Públicos Federais, bem como anular quaisquer atos administrativos disciplinares praticados pela OAB/SC em face dos Defensores Públicos Federais. Para chegar a essa conclusão, motivou sua decisão na seguinte premissa:”(…)Ocorre que a lei Complementar nº 132/09 acresceu ao artigo 4º da Lei Complementar nº 80/94 o § 6º, que assim dispõe: § 6º A capacidade postulatória do Defensor Público decorre exclusivamente de sua nomeação e posse no cargo público (incluído pela lei complementar nº 132/2009). Referido dispositivo contrapõe-se aparentemente ao artigo 26 da LC 80/94, que continua a exigir a inscrição na OAB como requisito para o ingresso na carreira de defensor. Certo, no entanto, que no caso de conflito de normas, mesmo interno, prevalece a mais nova, entendendo que o artigo 26 da LC 80/94 foi derrogado pela LC 132/09 no que se refere à exigência de inscrição na OAB. Nesse contexto, o artigo 3º, §1º da lei nº 8.906/94 não é oponível aos defensores públicos, porquanto se contrapõe ao § 6º do artigo 4º da LC 80/94, com a redação atribuída pela LC 132/09”.

[14] A propósito, vide art. 134, §1°, da Constituição Federal.

[15] Artigo publicado em 21.03.2011 no site WWW.marataizes.com.br

[16] “Comentário Contextual à Constituição”, 2ª Ed., S. Paulo, Malheiros, 2006, p.615

[17] Nesse contexto, aflora emblemática a notícia estampada pela Folha Online, de 08.08.11, de que a Presidenta Dilma Rousseff teria deixado correr em branco o prazo de 30 dias para nomear novo Defensor Público-Geral da União, deixando acéfala a Defensoria Pública da União. Verdadeiro exemplo de descaso institucional.

[18] Op. Cit., p. 838.

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